De verdade

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Como toda história que eu conto de seis meses para cá, a história de como vim parar aqui  começa, inevitavelmente, com o meu falecido pai, porque é dele a lembrança mais antiga que eu tenho de luta-livre. 

Calma: ele não lutava. Mas eu lembro de estar jantando na cozinha da nossa casa na Vila Zatt, em Pirituba, São Paulo, e ele na sala, sentado na frente da TV. E aí ele me chamava, gritando, “Mauro, olha o Homem-Aranha!”, e eu saia correndo, largando prato e tudo, para desespero da minha mãe, e ia sentar do lado dele. Não era bem o Homem-Aranha, mas um cara vestido de azul e vermelho, com uma fantasia pra lá de genérica, lutando com algum outro doido aleatório. Era luta-livre.

Não sei se ele foi um grande fã porque conversamos pouco sobre isso no decorrer da vida, mas sei que ele me contava que quando era moleque assistia ao Múmia (ou era o Fantomas?), um cara que lutava todo duro, de pernas e braços retos, e era quase invencível. Esse lutador existiu? Era essa o nome dele? Não sei. E pouco importa na verdade. Era o que eu ouvia dele e era o que eu imaginava e desenhava nas folhas do meu caderno no dia seguinte  — e é o que eu ainda consigo imaginar pensando agora mesmo, tantos anos depois.

Depois disso só fui ter contato de novo na época do SBT, nos anos 80, assistindo com o meu sobrinho, dois anos mais novo que eu. Não lembro qual federação era — desconfio que se tratava da própria WWF em seus tempos mais bizarros — mas me recordo de alguns lutadores, com seus nomes devidamente localizados: Papai Noel, Cão Vira-lata, Sheik da Arábia (provavelmente o Iron Sheik), Diabo Loiro e Rotundo. Meu favorito era um cara chamado Índio Apache. Eu gostava porque ele era acrobático, o tipo do cara que pulava da terceira corda rodando para cima do oponente, um feito extraordinário para um espectador de 7 ou 8 anos. 

A gente gostava tanto que levava a luta-livre para as brincadeiras: pegavamos nossos G.I. Joes (Comandos em Ação, na época) e criávamos duplas e rivalidades. Eu tinha dois bonecos que por algum corte de custos tinham a mesma cabeça e o mesmo corpo, só a cor mudava (Bazuqueiro e Granadeiro, para quem tem a mesma idade que eu). A cara era bizarra, com uma testa gigante, fruto de uma calvície precoce. Como um Vince Mcmahon juvenil, chamei a dupla de Irmãos Martelo, e decidi que os dois tinham como golpe final, cabeçadas nos inimigos. Os roteirista da WWE teriam orgulho de mim, tenho certeza — se isso é um elogio ou não, fica o questionamento.

Depois disso parei de acompanhar, e com isso perdi também toda a Attitude Era e o nascimento do que todo mundo hoje sente saudade. Se tivesse acompanhado o que aconteceu do fim dos anos 90 aos início dos anos 10, teria eu me identificado com a loucura de Mankind? Com a visão anti-estabilishment beberrona de Stone Cold Steve Austin? Ou com a revolta verborrágica de CM Punk?

O fato é que eu perdi tudo isso, mas há alguns anos fui arrastado de volta. Vi YouTubers jogando o game oficial, comprei, vi videos das lutas no YouTube, assinei a WWE Network e — imagine aqui um gif do Adam Cole — BOOM, fui fisgado. Até aí eu não sei dizer se foi mesmo mérito da WWE, porque sou um homem de obsessões. Tenho manias que viram meu motivo de vida por um período curto de tempo e depois desaparecem no ar. Stop motion, action figures da Marvel, um game específico. Tem sido menos comum, mas é algo que passei a aceitar e a encarar menos como uma falha de caráter e mais como parte de quem eu sou. 

E daquela vez, foi exatamente assim. Em três meses assisti todos os documentários que pude. Entendi quem era Paul Heyman, Eric Bischoff, porque a DX era importante, o que foram ECW e WCW, de onde tinha surgido The Rock e quem diabos era aquele maluco grisalho que aparecia virando os olhos e caindo para trás naquele gif no Twitter. 

Três meses depois, acabou.

Em 2018 o fato se repetiu. Game, assinatura, obsessão… mas uma coisa diferente aconteceu. Com o Evolution, em outubro, no dia da comemoração do aniversário da minha esposa, ela e um casal de amigos (Oi, Vic! Oi, Matheus!) passaram a acompanhar também. Começamos a ver os programas semanais na Fox e a escolher lutadoras e lutadores favoritos (ou particularmente odiados) — Charlotte Flair, Finn Balor, Becky Lynch, Nia Jax, Samoa Joe, Braun Strowman, Rey Misterio, New Day. 

Em janeiro, já em 2019, no Royal Rumble, comemoração do meu aniversário desta vez, hipnotizei todos os convidados mostrando o ano em que Steve Austin foi levado pelos médicos e voltou no final do evento, dirigindo a própria ambulância (a escolha foi aleatória, mas dei muita sorte!). Na sequência veio todo o plot twist que levou o Kofi Kingston a uma possível disputa pelo título, e o que eu assistia virou assunto no podcast da Dragão Brasil e, por consequência, assunto entre meus seguidores e ouvintes. E então o Wrestlemania.

Para alguém que vem da paixão abusiva pelo futebol como eu venho, de raivas, choros, brigas e mortes entre torcidas, a luta-livre é um entretenimento agregador. Como costumamos dizer aqui em casa, qualquer motivo é válido para torcer por um lutador. E torcer por um não exclui torcer por outro. Às vezes você pode torcer pelos dois caras que se enfrentam. Ou querer que os dois percam. Você pode debater a luta como se tudo fosse pra valer, ou arriscar palpites com base no que você sabe dos bastidores (“Não vão deixar a Becky perder numa luta aleatória dessas”, diria a Vic). Você pode odiar o personagem mas acompanhar a atleta no instagram, e se derreter com as fotos dela com a filha. Não existem amarras. Não há nenhuma regra que não seja “divirta-se”.  

O que era uma mania passageira, uma daquelas coisas que vêm e passam no mesmo intervalo entre o apagar das luzes e o surgimento do Undertaker no ringue, virou um motivo para reuniões na minha casa, para debates na internet. Tornou-se uma das minhas diversões mais constantes. Sei mais sobre o que se passa na WWE do que o que rola nos quadrinhos da Marvel ou da DC, por exemplo. É um passatempo sem muito prazo para ir embora.

Você pode questionar a graça de assistir a um combate que na real é mais espetáculo do que esporte — e não esconde isso de ninguém.  Mas tudo o que a luta-livre me trouxe até agora foi legítimo. Do meu pai rindo, me chamando para ver o Homem-Aranha, passando pelo meu gato chamado Finn Balor, pelos Funkos do New Day em cima da minha mesa, escolhidos pela minha esposa com tanto carinho, até chegar ao convite para escrever este texto que você lê agora.

A luta pode ser de mentira. Todo o resto, entretanto, é de verdade.

J.M. Trevisan

20/07/2019

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