Entre cílios postiços e banheiras de espuma: uma análise sobre o legado do Women’s Revolution

Siga o WrestleBR no Google Notícias e fique sempre informado sobre tudo o que acontece na luta livre.

Se na Bíblia, Eva era a idealização de mulher perfeita, submissa ao homem e sempre preparada para servir, na era pré-Women’s Revolution as lutadoras não eram vistas de modo mundo diferente.

Ainda sendo denominadas pela terminologia divas, as lutadoras dentro da WWE passaram por períodos de objetificação extrema visando agradar aquele que, teoricamente, seria o público alvo do programa: o masculino.

Sendo submetidas a situações sempre muito questionáveis, as divas se deparavam com uma total falta de investimento por parte da empresa, sendo reduzidas a simples modelos que, vez ou outra tinham a “sorte” de subirem ao ringue para lutas de 5 minutos ou menos.

Felizmente, a constante reflexão sobre o empoderamento feminino e o recorrente debate acerca do verdadeiro papel da mulher na sociedade, fez com que mudanças drásticas ocorressem em vários âmbitos.

Em 1995, Gwen Stefani já questionava veementemente as “regras” a serem seguidas pelas mulheres perante a sociedade na letra de Just a Girl, uma das músicas mais aclamadas de sua banda No Doubt. Ainda que a frente de seu tempo, a música de Gwen visualizou aquela que seria a força motriz para que diversas mulheres começassem a refletir sobre seus direitos e deveres dentro das estruturas sociais impostas.

Tal assunto só ganhou, efetivamente, sua força total nos últimos anos da década de 2010. Em mundo de cultura predominantemente machista e com raízes patriarcais, as mulheres tentam ganhar, em passinhos de tartaruga, mais espaço para se expressarem e viverem de modo igualitário aos homens.Para nossa sorte, ainda que atrasada, a luta pela igualdade de gêneros felizmente tomou grandes proporções, sendo um propulsor de diversas campanhas nas grandes mídias. O protagonismo das mulheres, ultrapassou as barreiras, e chegou dando o ar de sua graça no grande império do mundo do pro-wrestling, categoricamente construído pelo velho (velho mesmo) Vince McMahon. Bem assim, meio que de mansinho, a Revolução Feminina chegou à WWE.

É inegável que movimentos como o #GiveDivasAChance, a ascensão das Four Horsewomen, e a chegada da ex-lutadora do UFC Ronda Rousey foram pilares extremamente importantes para o estabelecimento dessa revolução, sendo este último talvez fator mais significativo destes.

Com a chegada de Ronda, e o barulho prévio feito pelos fãs nas redes sociais para que se fosse dado o devido destaque ao wrestling feminino, Vince & Cia resolveram finalmente capitalizar em cima desse tema, que permanece em alta na bolha midiática.

Não sejamos burros, sabemos bem que nada disso foi feito porque a WWE é uma empresa benfeitora e que escuta seus fãs. É óbvio que se a proposta não gerasse uma avalanche de notas de dólares para a empresa, nada disso teria sido feito. Ainda sim, meio que de formas questionáveis, o Women’s Revolution aconteceu; e querendo ou não, quebrou muitos dos paradigmas moldados há muito tempo atrás, enraizados de forma tão profunda no pro-wrestling, que apenas a força de mulheres muito corajosas seria capaz de extinguir.

As conquistas do Women’s Revolution todos aqui foram capazes de acompanhar, sendo os principais destes o Evolution, o primeiro PPV totalmente feminino; o significativo main event na Wrestlemania 35; e até, porque não a luta de Lacey Evans vs Natalya na ArábiaMania, ops, digo, Crown Jewel. Ainda que essa última luta esteja inserida num contexto problemático, num país mais problemático ainda, o fato que é que historicamente falando, ainda significou algo. Por isso, mesmo que contestável, é válido ser lembrado.

A grande questão, e o que verdadeiramente me motivou a escrever esse texto, é: qual foi o legado pós main event da Wrestlemania 35? A WWE realmente soube dar continuidade da revolução que havia prometido a toda divisão feminina? Ou será que depois da saída de Ronda voltamos mesmo à estaca zero? O que de fato deu errado na Women’s Revolution?

Regras extremas, brigas de casais, e closes indiscretos

Depois da catarse do evento principal da Wrestlemania, Becky Lynch se estabeleceu não só como uma das mulheres mais importantes da divisão feminina, bem como uma das superestrelas mais importantes da WWE. Nessa mesma época, seu relacionamento com o até então campeão do título Universal, Seth Rollins, foi revelado nas redes sociais. Era bonitinho de fato ver os dois principais campeões da empresa juntos.

A WWE, sempre bem “esperta”, viu nisso uma oportunidade de fazer de Becky e Seth a Beyoncé e o Jay Z do mundo do pro-wrestling. Dessa forma é que se moldou a storyline para o PPV Extreme Rules, que ocorreu em julho de 2019.

Numa história digna do Power Couple Brasil (RIP Gugu), Becky e Seth entraram em confronto contra Lacey Evans e Baron Corbin, numa história bizarra onde Lynch era quase que pintada como o “homem da relação” e Rollins de uma forma mais “fragilizada”.

Além dessa problemática, onde visivelmente a WWE não conseguia construir uma história com um casal onde ambos estivessem em pé de igualdade, é válida a menção NADA honrosa para o close quase uterino dado por um dos câmeras no bumbum de Lacey Evans em sua entrada durante o PPV (imagem essa que eu me recuso a reproduzir aqui). Se já tava ruim, meus amigos, acabou de ficar pior.

O ataque dos cílios postiços assassinos: o inimigo agora é outro

O fato de que Alexa Bliss & Nikki Cross estão numa rivalidade contra Mandy Rose & Sonya Deville já não é algo novo. A briga entre as duas tags se iniciou em meados de agosto, época em que Alexa e Nikki ainda eram as Women’s Tags Team Champions. Desde então, as histórias que envolveram as disputas dessas duas tags eram um misto de esquisitice, com pitadas de extremo mau gosto.

Em certo ponto da briga, Mandy Rose atacou verbalmente Nikki Cross. O problema disso, é para ofender sua até então oponente, Mandy achou que seria uma boa ideia chamar Nikki de feia, se vangloriando por sua beleza. Além de ser sofrível ver algo desse tipo em meados de DOIS MIL E DEZENOVE, sabemos que as palavras de Mandy são uma calúnia, pois Nikki Cross é lindíssima.Como se isso não bastasse, mais recentemente, em na edição do Smackdown de 06 de dezembro de 2019, Mandy Rose num ataque BRUTAL (ênfase no brutal) a Alexa Bliss,  arrancando seu cílio postiço no meio de uma luta. Vejam bem amigos, quando é que vocês assistiriam coisa tão violenta quanto essa na CZW? Cacos de vidro, tachinhas e lâmpadas fluorescentes não são nada perto de um cílio bem tirado.

A loira do banheiro

O Riott Squad era uma das poucas stables femininas presentes na WWE atualmente. Infelizmente uma de suas principais integrantes, Ruby Riott, vinha sofrendo com problemas relacionados à lesões desde meados de 2018. Em 2019, Ruby sofreu duas cirurgias a fim de se recuperar, ficando dessa forma um bom tempo afastada dos ringues para sua reabilitação completa.

Com o Riott Squad, agora jazendo à sete palmos abaixo da terra, as integrantes remanescentes Liv Morgan e Sarah Logan ficaram numa espécie de limbo. Sarah Logan foi limitada a pequenas participações em lutas do elenco principal e combates esporádicos no programa da WWE que todo mundo esquece que existe, o WWE Main Event. Já Liv Morgan foi literalmente esquecida, muitos fãs questionando se a lutadora não haveria sido obliterada da face da Terra.

Apesar de muitas teorias conspiratória da internet indicarem que Liv Morgan retornaria em algum momento como parceira de Bray Wyatt, a misteriosa Sister Abigail, tudo caiu por terra nos últimos minutos do 2° tempo de 2019. Num segment digno de filme do Cine Privê, Liv Morgan é vista num banheiro rodeado de velas. Ela entra numa banheira abarrotada de espuma, enquanto a câmera foca em seu rosto fazendo uma carinha de poucos amigos.

Ainda não dá pra saber exatamente que tipo de personagem Liv será ao retornar, mas no meu bom e velho achismo já digo: não gostei, esse negócio me pareceu tão ruim quanto aquele primeiro trailer do filme do Sonic.

Um vale a pena ver de novo que ninguém quer ver

Ah, chegamos na FATÍDICA parte.

Se teve algo na WWE que quase me fez arrancar a calcinha pela cabeça de tanta raiva foi essa storyline. Retirada das mais obscuras fanfics do senhor Vincent Kennedy McMahon, a história entre o trio Lana/Lashley/Rusev já pode, com tranquilidade, integrar a lista de coisas mais TENEBROSAS já feitas por essa empresa.

Recheada de segments de mau gosto que parecem ter vindo direto da Attitude Era, promos chatíssimas, e um divórcio que ninguém liga; tal rivalidade só serve para queimar todos os envolvidos. Lana foi subjulgada a um esposa sacana e irritante, a verdadeira “vilã” da situação; Lashley é o garanhão vergonhosamente escrachado; e Rusev o corno que quer fazer vingança com as próprias mãos.

É um fato que tudo isso é terrível de se acompanhar semanalmente, qualquer pessoa com bom senso acharia isso. Porém, vejam só que curioso, por mais que as reclamações sobre a storyline na internet sejam muitas, os segments dessa novela são um dos mais assistidos no canal do Youtube da WWE, muitos desses vídeos inclusive ultrapassando mais 1 milhão de visualizações. É aquele negócio, tem gente que merece mesmo o produto de péssima qualidade que a WWE desenvolve às vezes.

No mais, eu preferiria reassistir Mulheres de Areia pela 8ª vez do que ver isso.

As protagonistas, as secundárias, e a rotatividade fracassada do título feminino

Assim como numa série de TV, o pro-wrestling também possui seus personagens principais, que ganham mais destaque e importância quando comparados a outros. Para isso utiliza-se a denominação top guys ou main eventers.

Dentro da divisão feminina atual, não é muito difícil chegar a conclusão de que quem assume esse posto são as Four Horsewomen, integrado por Becky Lynch, Charlotte Flair, Sasha Banks e Bayley. O protagonismo e a importância dessas quatro mulheres para a construção da revolução que temos hoje é evidente, de maneira que suas histórias dentro da empresa estão intrinsecamente entrelaçadas desde o tempos do NXT, sendo impossível dissociar umas das outras.

A questão aqui é, para serem as principais estrelas da divisão feminina do main roster, as Four Horsewomen muitas vezes recebem um destaque excessivo, centralizando toda a bookagem e cinturões entre si (vide os reinados da Charlotte e da Becky). Em contrapartida, o restante das lutadoras ficam esquecidas, tendo um desenvolvimento quase pífio, tendo seus muitas vezes seus pushs sacrificados em prol das protagonistas.Não vou me aprofundar muito nesse assunto, até porque pretendo desenvolver algum material melhor trabalhado em cima disso. Mas lembrem-se, até as personagens secundárias dos seriados de televisão, muitas vezes, ganham seus próprios spin-offs.

Todo mundo gosta de fazer trabalho em dupla

Desde sua criação, no dia 24 de dezembro de 2018, os títulos de duplas das mulheres sempre esteve num limbo onde estava mais morto do que vivo. Com uma divisão de tags muito pouco desenvolvida, a sensação que ficava é que os cinturões foram trazidos como medida paliativa para o questão do desenvolvimento das lutadoras que não se encaixavam na rota dos cinturões principais, sem sequer haver uma construção prévia das duplas e de suas posteriores campeãs.

Do reinado esquecível das de Sasha e Bayley e das The IIconics, passando pelo mediano reinado de Alexa Bliss e Nikki Cross, o Women’s Tag Team Championship vem ganhando finalmente um destaque significativo, ainda que pequeno, com as atuais campeãs The Kabuki Warriors.

Independente do que o futuro reservar pras tags femininas (e as masculinas também, porque tá tudo muito triste), uma coisa é certa, tags é bom e todo mundo gosta. Bora fazer esse negócio direito WWE!

O que nos aguarda pro futuro?

Esperar que as coisas dentro de uma empresa tão conservadora como a WWE mudem da água para o vinho, é quase como dar murro em ponta de faca. Ainda sim, é desanimador ver que com a saída de Ronda após a Wrestlemania, todo aquele até então grandioso interesse da empresa pelo desenvolvimento da divisão feminina se perdeu pela metade. E, para piorar, voltamos a velhos hábitos, onde a investimento nas lutadoras é mínimo sendo quase de mau gosto.

As pequenas centelhas de esperança, felizmente, ainda vivem nas mãos da divisão de lutadoras do NXT, onde as mulheres são colocadas em um pé de igualdade com os homens, fazendo lutas excepcionais e tendo seus personagens bem desenvolvidos.

Cabe agora esperar que toda essa fagulha de empoderamento que reina na ex-divisão de base, incendeie toda a grande empresa que é a WWE.

E você? Ative a Mãe Dináh que existe dentro de você e nos diga: o que você deseja para o futuro da divisão feminina?

Nos vemos por aí, até a próxima!

@gabu_moon

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *