Caro leitor, as noites de quarta-feira nunca mais serão as mesmas. A Luta Livre mundial nos presenteará com dois grandes shows no meio da semana. O fã de wrestling poderá escolher entre o Dynamite, show da All Elite Wrestling e o NXT, que ganhou um programa de 2 horas na eterna parceira da WWE, a USA Network.
E ainda temos o Campeonato Brasileiro de Futebol.
De fato, a estreia do NXT na televisão foi ofuscada pela atuação magistral de Marcelo Cirino, Robson Bambu e companhia na vitória do Athletico sobre o Internacional. No entanto, temos alguns pontos que podem – e merecem – ser destacados.
Mas eu não quero falar apenas sobre o show de ontem, quero falar também sobre a trajetória que levou o NXT até a USA Network.
O admirável mundo novo
WrestleMania III, 1987. Quando Hulk Hogan levantou Andre the Giant e o lançou contra o ringue, a plateia ficou impactada. O mocinho conseguiu levantar o vilão e derrotá-lo, usando seu movimento fatal.
Isso funcionava no final da década de 80. O mundo, que mudou bastante desde lá (ainda bem), exige novas formas de entretenimento. Um Bodyslam não impressiona mais. Mas Adam Cole girando no ar com Johnny Gargano e caindo com a cabeça dele no ringue, enquanto Mauro Ranallo grita desesperado o nome do movimento, isso sim impressiona.
Desde que o NXT começou, em 2010, sempre somos surpreendidos com alguma coisa. Sim, mesmo em 2010, quando o show parecia uma piada de mal gosto, éramos surpreendidos. Ninguém esperava a criação de um grupo formado pelos lutadores daquele NXT, e a Nexus foi a melhor história de 2010. Até decidirem estragar.
Ninguém esperava que Sami Zayn, em sua noite de glória como NXT Champion, fosse atacado por seu melhor amigo. Coisa que também aconteceu com Johnny Wrestling, mas num dia de derrota. Até Jushin Thunder Liger apareceu para lutar por lá. Tudo pode acontecer, tudo é novidade.
Até um brasileiro com sobrenome de lutador de jiu-jitsu que luta… capoeira?
Arturo Ruas e a construção da identidade
No primeiro show ao vivo em rede nacional à cabo dos Estados Unidos tivemos um brasileiro lutando. Arturo Ruas, vestindo um quimono, apareceu para enfrentar Pete Dunne, ex-campeão do Reino Unido. Os movimentos de Ruas deixaram os gringos intrigados: existem pessoas que imitam videogames no Brasil? Arturo é um cosplay de Eddy Gordo? Ou seria a reencarnação de Dorival Santos?
Arturo entrou com roupa de jiu-jiteiro, mas foram os movimentos de capoeira e a técnica dentro do ringue que impressionaram. Os 7 minutos que teve contra Dunne geraram elogios. A primeira impressão é que fica, certo?
Sim, ele já lutou outras vezes no NXT, mas em rede nacional, para um grande número de espectadores? Nunca. Assim, Arturo criou uma identidade. Lilia Schwarz estaria orgulhosa, porque em seu artigo “Complexo de Zé Carioca – Notas sobre uma identidade mestiça e malandra” ela nos mostra que o brasileiro ainda busca a sua identidade própria, se debruçando em definições feitas por quem vem de fora, como Walt Disney e seu famoso Zé Carioca.
Ontem, Arturo encontrou sua identidade no brasileiro que luta a tal de capoeira e tem uma técnica apurada no ringue. E de quebra está me ajudando a explicar essa tal identidade do NXT.
Tudo pode acontecer ali
Arturo é o exemplo perfeito do que o NXT proporciona. Ninguém esperava ver um brasileiro-capoeirista-lutador-de-jiu-jitsu de uma vez só, ou uma luta insana entre lutadores do elenco durante o combate entre Killian Dain e Matt Riddle ou uma luta 5 estrelas na WWE. Ou Triple H entrando no meio da galera – e com um terno maravilhoso – para gritar a plenos pulmões o nome da marca.
Ou esperavam, só não sabiam que poderia realmente acontecer.
Quando Vince McMahon, em meados dos anos 90, dizia que tudo poderia acontecer na World Wrestling Federation, era verdade. No entanto, não é ele quem comanda essa brincadeira. Quem sabe, ele já sabia que cerca de 20 anos depois a sua frase ainda valeria, mas sem ele no comando das ações.
Isso me faz pensar o que o NXT representa. O novo, longe de Vince Mcmahon e valorizando seus lutadores, não se importando com tamanho ou visual. Todos podem ser gigantes no NXT, todos podem roubar o show e todos podem ter o seu Takeover. Se isso não representa bem a nossa geração, meu filho…
Isso é uma construção de identidade. E essa identidade do NXT é a cada semana mais incrível. Mal posso esperar pela próxima quarta-feira.