Defender o indefensável é malabarismo intelectual

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Caro leitor, decidi parar de assistir WWE por um tempo. A decisão foi tomada na última sexta-feira, após o evento principal da estreia do SmackDown na FOX. Estava ansioso pelo combate principal, mesmo sabendo que o resultado seria a vitória de Brock Lesnar. No entanto, a forma como o ex-campeão Kofi Kingston foi tratado me fez refletir.

Uma empresa que cria um roteiro onde um lutador vence outros cinco lutadores, um de cada vez, se torna campeão e fica invicto por 6 meses, não poderia fazê-lo perder sofrendo apenas um golpe. Não faz sentido em roteiro ou na história que estava sendo contada. E tem outro fator que ajuda nisso, mas que eu me aprofundarei apenas no dia 19 de Novembro. Aguardem.

No entanto, esse foi um dos motivos para que eu escrevesse este texto. Mas não foi o único. Analisaremos o evento principal do Hell in a Cell de ontem (6) para fazer alguns apontamentos em relação à dificuldade da WWE em ser coerente e como as suas falhas de roteiro se tornam cada dia mais evidentes. Vamos lá?

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Eu sou um fã de Luta Livre há um longo tempo. Desde 2008, quando liguei a TV no SBT às 16h, havia algo que tornava aquilo diferente de tudo que já tinha visto. Descobri que a resposta estava na letra “E” da sigla WWE: era o entretenimento que fazia tudo ser mágico.

E a empresa sempre investiu mais em entretenimento do que wrestling, basta ver os personagens, as cores e a megalomania que só a maior companhia do ramo pode nos oferecer. E tudo isso só pode funcionar bem com uma grande equipe de criação. É como um carnaval: você tem uma história a ser contada, e por isso precisa de alguém no comando para contá-la.

O carnavalesco nesse caso é Vincent Kennedy McMahon.

Vince é frequentemente chamado de um mestre dos negócios. Sua empresa, fundada por seus familiares, está no ramo há quase 70 anos. Sua história quase centenária tem conquistas de território, outras companhias, contratos bilionários e estabilidade. A WWE é uma empresa confiável, por isso está sempre no topo da Luta Livre mundial.

Até agora.

A década de 10 marcou um novo período para a empresa. Os grandes nomes, que estavam presentes desde quando o Pro-Wrestling conseguia alcançar 15 milhões de espectadores por noite, estavam velhos demais para continuar. Além disso, o maior nome criado após a Attitude Era, John Cena, se distanciou cada vez mais da WWE.

Isso afetou profundamente na audiência.

De acordo com um estudo do site Wrestlenomics, a média de audiência do RAW – considerado o principal show televisivo da WWE – teve uma queda de 44% entre o primeiro semestre de 2015 e o segundo deste ano. Isso significa uma queda de quase 1,3 milhão de espectadores.

Com a grande queda de audiência, algumas questões começaram a ser levantadas.

Fonte: Wrestlenomics (2019)

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Em janeiro de 2015, Roman Reigns venceu o combate Royal Rumble após eliminar Big Show com a ajuda de The Rock. Na ocasião, a maioria dos fãs desejava que Daniel Bryan vencesse o combate e disputasse o principal cinturão da empresa na WrestleMania. Isso gerou uma série de protestos, que culminou na hashtag “#cancelwwenetwork”.

A mobilização, no entanto, não foi a única desde então. Frequentemente, o público entoa o nome de CM Punk para protestar contra a falta de qualidade dos shows. Em uma época, a moda era levar bolas de praia para jogar pela crowd, para mostrar que o show não estava bom o bastante para entreter a plateia mais do que uma simples bola.

O motivo para estas manifestações é a mesma: a falta de criatividade em contar uma história e as sucessivas decisões ruins que a companhia tomou nesses últimos anos. E isso novamente veio à tona com força na noite de ontem, quando Seth Rollins e Bray Wyatt se enfrentaram pelo título Universal.

The Fiend, a nova faceta de Bray Wyatt, foi um dos chutes mais certeiros dados pela WWE nos últimos tempos. Assustador e fora da curva, o lutador é um gênio e a história era bem construída. No entanto, tudo se tornou um pouco estranho com a luta de ontem.

Bray se tornou desafiante pelo cinturão, e teria de enfrentar Rollins em um combate Hell in Cell. A WWE queria que o Fiend se mostrasse indestrutível, mas não queria que Seth perdesse o cinturão e a credibilidade de uma derrota rápida, como aconteceu com Finn Bálor, que perdeu para Wyatt em poucos minutos.

É nesse momento que os problemas que assolam a WWE há anos se tornaram evidentes.

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Quando a World Championship Wrestling estava em derrocada nos anos 2000, o principal motivo era a sua falta de coerência. Combates com estipulações bizarras, perdas de cinturão aleatórias. Até um ator foi campeão mundial. Tudo foi desvalorizado, até que não havia o que se recuperar, porque nada mais fazia sentido. Dessa forma, a WCW foi vendida à WWE em 2001. Desde então, a companhia de Vince trilhou um caminho florido, onde não havia competição.

Até agora.

Com o nascimento da All Elite Wrestling – que compete diretamente contra a WWE nas quartas-feiras – o fã de Luta Livre terá o privilégio de escolher a atração que lhe convém. O nível de exigência aumentará, ainda mais entre fãs que consomem produtos de Wrestling além apenas dos shows. Este, que na última década deu o tom a insatisfação, foi a principal audiência do primeiro AEW Dynamite, que venceu o NXT na USA Network na primeira batalha entre ambos.

Fonte: Wrestlenomics (OUT/19)

Dessa forma, erros das duas companhias ficarão mais perceptíveis, e a semana da WWE evidenciou muitos. A Season Premiere da empresa teve um RAW normal, o enterro do momento de Kofi Kingston, um evento especial de 3 horas com apenas 4 lutas anunciadas até horas antes do evento, além do desfecho de Wyatt/Rollins.

Uma Hell in a Cell, tipo de combate que permite todos os tipos de meios para vencer, acabou por decisão do juiz. Segundo a WWE, o árbitro acreditou que Seth Rollins, após acertar mais de 10 finalizações e utilizar qualquer tipo de instrumento para derrotar o monstro, estava indo longe demais ao pegar uma marreta para acertar a cabeça do Fiend e colocar sua vida em risco.

É aí que entra a incoerência.

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Desde que foi criada, em 1997, a Hell in a Cell já presenciou todo o tipo de ataque. Desde marretadas até jogar o oponente do topo da cela, tudo era permitido e nada foi motivo para a famosa Referee Stoppage. No entanto, a tentativa dos roteiristas em manter os dois invencíveis saiu pela culatra. Os fãs, que compraram o ingresso para um evento com poucas lutas confirmadas e aquém do esperado, vaiaram seguidamente por minutos.

“A plateia está indo embora enfurecida. Gritos de AEW, reembolso e as clássicas vaias. Excelente trabalho, Vince! (Créditos: @saffronromiet/Twitter)

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Se a companhia não queria que Wyatt e Rollins saíssem como derrotados, por que os colocou em um combate em que um dos dois deveria sair vencedor?

A resposta está no conceito do especial.

Desde 2009, a WWE vem fazendo Pay-Per-Views em torno de uma luta temática. Dessa forma, o evento principal (ou as lutas por título mundial) devem ser dentro da cela. Como a WWE decidiu colocá-los como o Main Event da noite, a tragédia estava anunciada. No entanto, a empresa ainda tinha outras opções para fechar o evento, como o combate entre Sasha Banks e Becky Lynch pelo título feminino do RAW.

Agora, a WWE tem outra missão: depois de sofrer 10 finalizações e quase ser assassinado, Bray Wyatt se manteve de pé. Como fazê-lo se tornar normal e possível de ser derrotado após isso? Quem será capaz de vencer um lutador que resistiu a um finalizador 10 vezes, sendo que Brock Lesnar, o mais imbatível dos lutadores atuais, sofreu menos de 5 para ser derrotado.

Como diria Henrique, do podcast Enfim Tag Team: “Precisamos falar do “elefante na sala” que é The Fiend.

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A reação nos Estados Unidos foi unânime: nem mesmo os maiores especialistas de Luta Livre – e alguns grandes defensores da empresa -conseguiram engolir o desfecho do Hell in a Cell. Para eles, colocá-los dentro da cela foi o grande problema, haja visto que dentro de um combate normal, uma interrupção feita pelo juiz soaria coerente e justificável.

“Solução simples para o fim de hoje: PAREM DE FAZER PAY PER VIEWS TEMÁTICOS. Se não existisse um show com o tema “Hell in a Cell”, isso poderia ser uma luta normal pelo cinturão, terminada em desclassificação, com uma revanche à caminho. Mas não deveria haver desclassificações dentro da cela” (Créditos: @BeardedChrisP / Twitter)

No Brasil, as opiniões ficaram divididas. Alguns defenderam que as ideias da WWE nesse combate são compreensíveis, mas as camadas precisam ser explicadas. Isso tudo, enquanto promovem seus canais no Youtube.

Isso, no entanto, é puro malabarismo intelectual.

Luta Livre não deve ser difícil. Isso é entretenimento de massa, não um filme denso. Os roteiristas também pensam assim, mas de uma maneira completamente preguiçosa. Eles não buscam sentido, apenas preencher buracos até que o público crie um favorito que carregará uma história de superação que os fará ter alguns meses de conforto. Aconteceu com Daniel Bryan, Seth Rollins, Roman Reigns, Kofi Kingston.

No entanto, essa desculpa barata começa a se esvair a partir do momento em que o telespectador pode simplesmente trocar de canal.

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Por anos o roteiro foi sustentado por personagens que se vendiam por conta própria, seja por serem remanescentes de uma era de ouro da Luta Livre, seja por serem fora da curva, como John Cena. O Pro-Wrestling, entretanto, mudou de patamar nessa década.

Mas Vincent Kennedy McMahon e sua turma insistem em se manter nos anos 80 e 90, quando a WWE reinava soberana e o mundo tolevara comportamentos incoerentes. Nessa década, somos fãs com demandas diferentes, que a companhia insiste em não atender.

Hoje, a hashtag “#cancelwwenetwork” foi tendência novamente nos Estados Unidos. Com a maior disponibilidade de conteúdo de Luta Livre da história, será que o espectador se manterá fiel aos costumes?

Da minha parte, não.

2 respostas

  1. Caraca mano… Parabéns.

    Fazia tempos que não pia nada tão conciso e coerente sobre o cenario da WWE.

    E dps do RAW de ontem, resta confirmado que a empresa está nos anos 90 com os segmentos de traição entre wrestlers, desafio com esportistas, etc.

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