John Cena e o valor de nosso adeus

John Cena e o valor de nosso adeus

Em 13 de dezembro chega-se ao fim, ou melhor, ao fim do fim. Durante um ano, o universo WWE caminhou em procissão rumo à última parada de John Cena, lutador que estreou em 2002 e, durante 23 anos, construiu uma história que lhe dá, dentro dos portões da grande empresa, o título de “O Maior de Todos os Tempos”.

Como último verso dessa elegia, o herói das últimas décadas terá Gunther, um vilão digno de dominar os anos que restam desta década, além das décadas seguintes. Contudo, o lutador austríaco tem uma missão muito mais ingrata do que imagina: será coadjuvante de sua própria luta, vencendo ou perdendo.

E, como será assim na luta, nada mais justo que seja assim neste texto. Falemos sobre John Cena e seu adeus.

A ideia do “tour de despedida” não é nova e já foi usada em outros cenários da luta livre ao redor do mundo. Coincidentemente, outros dois nomes passam pelo mesmo processo simultâneo ao de John Cena. São eles Hiroshi Tanahashi, símbolo máximo da NJPW no século 21, e Hijo del Santo, herdeiro e merecido sucessor do maior símbolo da história da Lucha Libre. Mas por que então falamos tanto sobre a despedida do lutador da WWE? Qual a importância?

Nenhuma, do mesmo jeito que as supracitadas também não importam. O ato em si de dizer adeus é insignificante, uma vez que, passado ele, já não se tem mais nada, só o vazio. O que realmente dá valor a tudo isso é termos a noção de que este é o último momento; dizer adeus sem saber que o faz cria um buraco, ter noção de fazê-lo cria significado.

A procissão

Dar tal nome ao processo faz parecer que John Cena vai ser sacrificado e não aposentado. Contudo, de certa forma, a despedida gera um processo de luto pela carreira que agora chega ao fim.

Até porque, de maneira curiosa, passou-se por todos os processos do luto quando o assunto é o ano de 2025 e a participação do atleta de Massachusetts nele. Elizabeth Kübler-Ross ficaria orgulhosa.

Primeiro veio o anúncio no Money in The Bank 2024, lá no Canadá. Vestindo uma camiseta com os dizeres “The Last Time Is Now”, Cena veio ao ringue e anunciou oficialmente sua aposentadoria da WWE. Negação imediata. “Muitas perguntas”, de acordo com o próprio JC (não confundir com aquele outro JC).

Logo descobriu-se que ela viria ao longo do ano de 2025, com um número limitado de datas e que passaria por todos os eventos do ano, terminando em 13 de dezembro.

O início oficial foi no dia 6 de janeiro, estreia do Raw na Netflix. Na ocasião, o lutador anunciou que estaria participando da Royal Rumble e rumaria à WrestleMania para vencer o inédito 17º título mundial, superando Ric Flair de acordo com os registros da WWE.

Em primeiro de fevereiro de 25 veio a primeira derrota. Após entrar como número 23, talvez simbolizando seus 23 anos de carreira, Cena seguiu até o final da luta, integrando um trio final 17 anos depois de encarar Triple H e Batista no Madison Square Garden para ganhar sua primeira Rumble. Dezessete anos depois, ele queria ganhar a terceira, para chegar ao título 17. A elegia continuava, mas ganharia seu primeiro tom dramático.

Em um vai e volta de golpes, John é eliminado por Jey Uso, que vence o combate. Visivelmente frustrado, ele cumprimenta o adversário e, na coletiva de imprensa, em voz grave e séria, anuncia que irá para a Elimination Chamber, que estará na luta temática do evento simplesmente por ser quem é e que, durante um mês, não irá dar as caras. Por fim, ele também diz que quebrará o recorde de títulos para que, no futuro, ele possa estar lá para ver quem irá tirar essa marca dele.

E então, na Chamber, novamente no Canadá, vem a raiva.

A raiva de Cena contra o público, a raiva do público contra aquele humano travestido de super-herói, a raiva de The Rock contra Cody Rhodes e a raiva de uma história que nunca foi o que poderia ser.
Após vencer a Chamber, aproveitando-se de um ataque de Seth Rollins contra CM Punk, Cena se vê frente a Cody Rhodes, seu oponente natural para a WrestleMania, e ambos são agraciados pela presença de The Rock e Travis Scott.

Contexto rápido: algumas semanas antes, The Rock havia aparecido e pedido a alma de Cody Rhodes, oferecendo um legado maior do que o campeão jamais poderia sonhar. Ele esperaria pela resposta ao fim da Elimination Chamber. Travis Scott… estava lá. Ele fazia parte do promocional da WWE há algum tempo, já havia aparecido com Jey Uso e é o intérprete de FEIN, que foi música-tema da WrestleMania 41.

Na presença dessas duas figuras, Cody escolhe não se vender e manda The Rock, categoricamente, para a casa do caralho. Acontece que, vindo dessa mesma casa, pronto para se vender, vinha John Cena. Raiva estampada no rosto daquele super-homem caído. O que aconteceu com a verdade, a justiça e o modo de vida americano? Banharam-se no sangue de Cody Rhodes e formaram uma aliança inédita e nunca mais repetida com The Rock.

A raiva viraria depressão na WrestleMania 41, quando, sem The Rock e com participação pífia de Travis Scott, numa luta sem graça, sem emoção, sem habilidade e sem até aquela baboseira que faz alguns combates da WWE valerem a pena, o 16 vezes campeão ganha seu décimo sétimo cinturão mundial.

Travis Scott nunca mais seria visto na WWE, nem The Rock, somente John Cena em sua forma vilanesca. Entramos então na fase da barganha.

O modelo está fora de ordem, eu sei, mas nem ele está escrito em pedra, portanto vamos em frente.

A barganha em questão, agora que o campeão era uma versão má de John Cena, materializava-se na tentativa de convencimento do público (para o público), ou da WWE para o público, de que aquele tour de despedida estava sendo legal.

Esperava-se uma novela de imparáveis envolvendo duas das maiores personalidades da história da empresa, de volta para um terceiro capítulo em sua jornada, uma storyline para apequenar toda a saga da Bloodline, e o que se teve foi um John Cena Greatest Hits às avessas.

De Orton a Punk até R-Truth (e seu desperdiçado retorno como Ron Killings), passando por parceria com Logan Paul inclusive, viu-se uma face mais implacável de Cena que há muito não aparecia. Entretanto, o sentimento não foi de maravilhamento, mas de cansaço. Buscando gerar o desconforto no público, Cena parecia também desconfortável: não só um personagem, mas um personagem interpretando outro, café coado duas vezes, eficiente, pero no mucho.

E então acabou a barganha.

Aceitação

Após Cena vencer CM Punk na Arábia Saudita e reter seu cinturão mundial da WWE, ele teria à frente uma luta revanche da WrestleMania 41. Cody Rhodes venceu o torneio King of The Ring e ganhou a chance de desafiar o campeão pelo título no main event da segunda noite do SummerSlam, maior evento de veraneio da WWE.

John, contudo, apareceu em um segmento de assinatura de contrato e disse que não conseguiria aparecer no dia, ao passo que Cody o atacou, forçou sua assinatura e declarou que, no evento, eles se enfrentariam numa Street Fight.

Acontece que, nesse ponto da procissão, todos já estavam cansados de fingir. O público, cada vez mais vocal, reclamava daquela história que ia do nada para lugar nenhum. Ao chegar a lugar nenhum, portanto, o que restava era voltar.

No último SmackDown antes do SummerSlam veio a aceitação. John Cena não odiava a luta livre e, ao contrário do que vinha falando desde o Raw em Bruxelas, na sua primeira aparição pós-Elimination Chamber, ele não queria acabar com o Wrestling e levar o título da WWE embora.

Ele só não queria ser esquecido. Aceitou-se então mortal novamente e, por ser assim, voltou a ser o imortal John Cena, com seus cinco golpes mortais, com seu sorriso descompromissado, com a alma sem medo, ridículo e caricato e feliz como todo grande herói tem total direito a ser.

Sua volta à boa forma no SummerSlam foi antológica e, mesmo que o restante do tour ainda tenha passado por alguns percalços (leia-se Brock Lesnar), foi a partir do SummerSlam que se entendeu de uma vez por todas: estamos perto do fim.

Desde então, Cena foi campeão Intercontinental, tornando-se campeão Grand Slam da WWE (título dado a um lutador que consegue vencer todos os títulos principais disponíveis para sua divisão de peso), perdeu o título para Dominik e também enfrentou AJ Styles em uma luta nostálgica que, além de um finisher fest, foi o tipo perfeito de bobagem para um tour de despedida, com o lutador que era seu total oposto em uma rivalidade entre empresas há muito morta.

E, por fim, o final.

Especulou-se Chris Jericho, um retorno de Edge por uma única noite ou muitos outros nomes para finalizar a história de John Cena. Caiu no colo de Gunther aposentar mais um, já que o ex-campeão mundial foi responsável por aposentar Goldberg em outro Saturday Night Main Event este ano.
Mas basta de Gunther, de Punk, de AJ e de todo o resto. Voltemos à nossa questão primordial: após passar por todo esse luto, de que valeu?

O Adeus

Aos 14 anos, tive a oportunidade de ver John Cena de perto. Eu o vaiei com tudo o que tinha, acompanhado de muitos outros. À época, muitos fãs de Pro Wrestling faziam do ódio a John Cena parte importante de sua personalidade, como se aquilo fosse um símbolo de seriedade em relação à luta livre, uma vontade de ser adulto, tipo fã do Batman que odeia o Superman.

Eu era fã do Batman também, porém, graças a Deus, a gente cresce.

Ainda não sou o maior fã de John Cena, nem perto disso. Acredito que muitos dos elogios a ele sejam desmedidos ou só nostalgia. Esse último ano me deu a oportunidade de revisitar esses sentimentos uma última vez, de desenvolver essa relação para um final satisfatório.

O mesmo vale para o fã que defende as lutas de Cena, que defende sua habilidade no ringue, que fala que seus combates na verdade são aulas de narrativa e que dizer que ele não sabe lutar não passa de falácia.

Vale também para quem o odeia até hoje e acha que ele não passa de um hipócrita que já devia há muito ter aposentado.

O valor de nosso adeus é saber que todo nosso amor, nosso ódio, nossa indiferença estão com os dias contados.

John Cena continuará sendo pessoa física, atuando como Pacificador ou qualquer outro papel que ele conseguir descolar na indústria do cinema e da TV. A luta livre vai seguir também, inclusive quando ele voltar para um Hall da Fama ou qualquer outra aparição. Contudo, a jornada oficial acaba aqui.

Da minha perspectiva, alguém que passou parte da infância, toda a adolescência e parte da vida adulta acompanhando as histórias e aventuras do lutador, ver sua despedida e saber que um ciclo se fechou é reconfortante, e felizmente eu terei a chance de entender isso sem pressa.

Acredito, da mesma forma, que para muitos que compartilham dessa experiência, sábado será possível pontuar com precisão quando se pôde ser criança por uma última vez, mesmo que sigamos eternamente infantis.

Pois as coisas acabam e a noção disso é pétrea, mas não palpável. A função do velório é a compreensão, aterrar a si e ao outro, figurativamente e literalmente. A função da despedida é marcar o rompimento, mesmo que muitos “adeus” sejam, em suma, um “até logo” que durou demais.

Então, quando se trata de John Cena, o “Maior de Todos os Tempos”, o 17 vezes campeão mundial, o Dr. of Thuganomics, o Super Cena ou somente o principal rosto da WWE nos últimos 20 anos, em 13 de dezembro de 25 diremos adeus à lenda, mas será somente um até logo às eternas memórias que, um dia, também dirão seu adeus nas mentes daqueles que o viram.

Ou talvez um até logo.

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