Para quem ainda não percebeu, o fim de 2019 também encerra toda a última década, dando início a uma nova quando o primeiro dia de janeiro de 2020 chegar. Em seus 3652 dias, novos capítulos foram escritos na história recente do mundo e nós, como indivíduos, amadurecemos ao atravessar essa ponte entre períodos distintos de nossas vidas. Para a “geração WWE no SBT” que não abandonou e continuou a assistir até hoje, foram 10 anos consecutivos que podemos desfrutar de pro wrestling e construir nossas próprias memórias. Sendo assim, trago uma lista com os 10 momentos mais marcantes da WWE na década de 2010, um apanhado de algumas recordações desse pedaço de tempo. Foram levados em conta inúmeros quesitos para que cada posição fosse a mais justa possível, tais como importância, consequências, repercussão e imprevisibilidade. Mesmo assim, trata-se de um top 10 e certamente você poderá discordar de alguma colocação ou mesmo sentir falta de algum momento que não foi mencionado. Se isso acontecer, peço para comentar a sua lista pessoal para que possamos comparar nossas opiniões, isso seria muito importante para nós. Boa leitura!
10. Kofimania
Mesmo tendo um final horrível, o movimento conhecido como Kofimania teve uma enorme importância simbólica na história da WWE, coroando o primeiro campeão africano em mais de 50 anos do cinturão mundial da empresa. Geralmente tendo suas habilidades subutilizadas pela WWE nos 11 anos que por lá está, Kofi Kingston teve sua chance de brilhar no card principal por volta de fevereiro desse ano. E se escavarmos na memória, o acaso poderia ter escrito outro percurso, com foco em um personagem totalmente diferente. Mustafa Ali estava ganhando destaque e estava sendo moldado para se tornar o favorito, aquele que tinha poucas chances, mas lutava com o coração e o apoio do público. Enquanto isso, Kingston continuava na divisão de duplas junto de seus companheiros da New Day, no mesmo ciclo de perseguição ao título. Uma lesão afastou Ali de sua vaga na Elimination Chamber e assim Kingston é posto como seu substituto. A “Alimania” deixou de existir e começava naquele instante a peregrinação de Kofi Kingston até o topo.
Durante alguns meses, a WWE criava o clima perfeito para que os fãs apoiassem ao máximo o lutador, instigando através de injustiças e dificuldades impostas. A Wrestlemania perdia um pouco do seu nome para dar lugar a sua nova alcunha de Kofimania, pois se tratando de WWE poderíamos esperar qualquer coisa em relação a qual desfecho eles iriam dar para aquela história, o lutador necessitava realmente de toda a ajuda possível. Após muita dedicação, Kingston consegue sua luta contra Daniel Bryan no evento principal da Wrestlemania 35, a luta mais importante de toda sua carreira. E assim, no dia 07 de abril de 2019 fomos testemunhas de um sonho se concretizando, a Kofimania foi glorificada depois de mais de uma década de trabalho duro, Kofi Kingston se torna o campeão da WWE. Um momento magnânimo, porém, o problema começa após o final feliz desse conto de fadas. De fato, Kingston não tem o porte físico que sabemos que a WWE prega ao longo de todos esses anos em seus campeões. Tanto que em seus 180 dias com o cinturão, o lutador foi sempre desacreditado e tinha que novamente provar seu valor, o que acabou tornando seu reinado cansativo. A maneira que o lutador era tratado refletia os pensamentos da própria WWE, prova disso foi como estupidamente lhe foi ceifado o título, uma luta onde foi pulverizado em 10 segundos por Brock Lesnar, mostrando novamente os pensamentos retrógrados de Vince McMahon. Mesmo assim, vamos lembrar dos bons momentos que a Kofimania nos deixou. Talvez o mais marcante seria a volta de Kingston até Gana, sua terra natal, sendo enaltecido não como apenas um herói ou o campeão do povo, mas o rei de todo o continente africano. Muito além de entretenimento, vemos aqui inspiração.
9. O Afastamento de Roman Reigns
Se existe alguém que eu deva pedir desculpas no universo da luta livre, esse alguém é Roman Reigns. Anos atrás fiz uma brincadeira de mau gosto nas redes sociais do WBR que envolvia o lutador, guiado por uma relutância em aceitá-lo como o melhor da WWE da forma que eles nos impunham goela abaixo. Assim como Hulk Hogan, The Rock e John Cena em suas respectivas épocas, ele era desenhado como o rosto da empresa, mas imposto de modo tão agressivo por parte da equipe criativa que o ódio acabava respingando muito no lutador. Ao longo da ascensão do “Roman Empire”, as vaias soavam mais alto do que sua música de entrada. Havia momentos de trégua quando o mesmo se reunia com os membros da Shield, mas em sua carreira individual Roman Reigns tinha dificuldades em se conectar com o público. Também pudera, a WWE contribuía e muito para esse desprezo, colocando ele sempre em alta, criando reinados e diversas oportunidades, um evento principal atrás do outro. A rivalidade eterna com Brock Lesnar, esfregar em nossa cara os laços sanguíneos que o mesmo tem com The Rock e o resto da Família Anoa’i, vencer o Royal Rumble 2015, a vitória sobre Undertaker em plena Wrestlemania, tudo isso fazia do lutador uma figura cada vez menos aceita. Todavia, tem de ser destacado que Reigns passava por tudo isso com tremenda hombridade, fazendo seu trabalho com as ferramentas que lhe eram oferecidas. Nos bastidores, ele é até tido como uma pessoa querida e amável com os fãs, mas o kayfabe e o mau direcionamento de personagem ofuscavam por completo esse fato. Somente quando a vida quebra a quarta parede da arte, paramos para rever nossos conceitos.
No dia 22 de outubro de 2018, o lutador vai até o ringue com o WWE Universal Championship empunhado em seu ombro, e como de praxe, recebe uma saudação dividida do público, pendendo para as vaias. Vimos como a situação era séria quando diz que seu nome verdadeiro é Joe e toda aquela história de ser imbatível era uma mentira. Foi um primeiro tapa de realidade, totalmente incomum vermos um lutador abrir seu coração a esse ponto em uma transmissão ao vivo. Porém, absolutamente nada nos tinha preparado para o choque que viria a seguir, quando ele nos revela sua batalha contra a leucemia, que retornava naquele momento em sua vida depois de anos. Atônitos, assistimos ele explicar mais sobre a situação e que abandonaria o cinturão para seguir com seu tratamento, além de agradecer a todos e prometer voltar curado. Completamente ovacionado, ele segue rumo à rampa de saída e se depara com Seth Rollins e Dean Ambrose, caindo em um abraço emocionante e fechando o segmento com o famoso sinal do trio. Foi um momento brutal, impossível de não encharcar nossos olhos por comoção. Nós estamos tão propícios a julgar, mas ali o lutador se despia de seu personagem para expor o ser humano, que passava por problemas tão complicados que a rejeição que recebia ao longo de sua carreira significava absolutamente nada. Felizmente, em 25 de fevereiro de 2019 Roman Reigns retorna para o Raw, anunciando que sua doença estava novamente em remissão. A partir dali, tudo volta ao normal, algumas vaias voltavam a ser ouvidas, porém com uma aceitação maior do público. Algo que Reigns deixa como lição é que devemos separar de forma clara o wrestler, a pessoa por trás do personagem e, principalmente, a companhia a qual ele trabalha. A WWE usou o diagnóstico de Reigns na mesma noite do anúncio no heel turn de Dean Ambrose e usaria muito mais se ele não barrasse a tempo. Isso deixa tudo muito mais nítido.
8. O Retorno dos Hardy Boyz
Qual retorno foi mais impactante para você nos últimos dez anos? Foram tantos que aconteceram que fica até difícil responder. Tudo começa no primeiro mês do primeiro ano dessa década, com Bret Hart regressando aos ringues para colocar um ponto final no Montreal Screwjob em uma luta contra Vince McMahon na Wrestlemania 26. Após uma longa jornada por Hollywood, The Rock volta ao lar eletrizando o público em 2011. No ano seguinte, Brock Lesnar deu as caras com Paul Heyman ao seu lado e até hoje continua demolindo tudo que vê pela frente. Quem diria que Shane McMahon voltaria a fazer suas loucuras depois de anos longe e com uma idade meramente avançada. Kurt Angle, que tinha largado a empresa e ajudado na constituição da TNA, retorna não só para aceitar sua indução ao WWE Hall of Fame, mas também para aposentar sua carreira dentro do ringue que consagrou o seu nome. Os fogos de artifício dos Dudley Boys assobiaram novamente, assim como os tambores dominantes da música de entrada de Goldberg. Tecnicamente estreando na WWE, Sting reacende o desejo dos fãs sobre um embate antológico contra Undertaker, o que não aconteceu e espero que agora não mais aconteça. Foi uma década cheia de surpresas, e com a volta de CM Punk mês passado como apresentador do WWE Backstage, a próxima promete também ter várias mais.
Entretanto, nada foi mais épico do que vermos o retorno dos Hardy Boyz na Wrestlemania 33. Para os fãs mais antigos, as insanidades protagonizadas por Jeff e Matt foram um dos grandes motivos por nos apaixonarmos por luta livre, e mesmo para a geração que veio a acompanhar WWE mais recentemente, o sucesso dos dois lutadores ainda era sentido, até porque eles nunca estiveram no esquecimento. Jeff Hardy saiu da empresa em 2009 e foi direto para a arquirrival TNA, (ou Impact Wrestling, como preferir) tornando-se peça fundamental da empresa, enquanto seu irmão foi demitido da WWE no ano seguinte, passando por diversas federações no circuito independente. O caminho dos dois cruzavam de vez em quando, revivendo rivalidades e parcerias, até que em 2016 surge a repaginação de Matt Hardy, um personagem com roupas e um vocabulário rebuscado, uma estranheza que beirava a loucura que acabou caindo nas graças dos fãs da TNA. Agora conhecido como Broken Hardy, foi a primeira vez que vimos Matt distante da sombra de seu irmão, que acompanhava como um coadjuvante nessa ascensão. O sucesso os levou a protagonizar episódios especiais em torno do personagem e a “Expedition of Gold”, onde a dupla colecionava simultaneamente os cinturões de diversas federações por todos os Estados Unidos. Por isso e por muito mais era inimaginável tê-los de volta na WWE, porém não contávamos com o fator surpresa que somente a Wrestlemania pode nos oferecer. Antes da ladder match que ocorreria pelo título de duplas do Raw, os membros da New Day, anfitriões do evento, aparecem e revelam que haveria mais dois lutadores naquele combate. O mais provável seria que eles mesmos participassem, mas eles dão espaço para uma música há muito tempo não tocada. Os bons filhos voltavam para casa, Jeff e Matt surpreendem todo mundo no maior palco de luta livre. A criança interna faz os pelos do corpo do adulto se arrepiarem com tamanha nostalgia. Ainda boquiabertos com a sua volta, os Hardys mostram porque ainda continuam a ser referência como dupla, finalizando sua jornada com o cinturão da empresa que fizeram história. Foi um momento inesquecível e por isso é posto como o retorno da década. Wonderful!
7. The Yes! Movement
Como explicar o que foi o Yes! Movement em uma frase? Era o mais perto do comunismo que já vimos na WWE, e olha que já tivemos vários atletas russos na história da empresa. Brincadeiras a parte (ou talvez não), esse foi um daqueles momentos da luta livre que refletem o período que se passa. No começo da década, os Estados Unidos se recuperavam de uma terrível crise financeira que abalou todo o globo e se deparava como uma onda de manifestações sociais que lutava por igualdade, em especial o movimento que ficou conhecido como Occupy Wall Street. Atraindo por volta de 10 mil pessoas ao centro financeiro de Nova York, um acampamento foi formado em protesto contra os poderosos que esmagavam a população menos favorecida. Com esse cenário em mente, vamos acelerar um pouco o tempo e vamos minimizar tudo ao universo da luta livre. A WWE sempre privilegiou um determinado físico de atleta, um pensamento que subestimava quem não tinha o porte ideal para ser um campeão seguindo uma concepção conservadora e antiquada. A ascensão de alguns indie guys na empresa, lutadores que vieram de federações independentes de wrestling, modificaram um pouco esse panorama, mas o controle total da situação sempre foi manipulado por Vince McMahon e companhia, abafando a voz dos fãs sobre o produto. Desde quando foi introduzido no torneio do NXT, Daniel Bryan sempre foi um favorito do público, entretanto, ele não se encaixava muito bem no ambiente mesmo tendo um grande arsenal técnico, não tinha a altura suficiente ou o porte muscular. A WWE preferia colocar os holofotes sobre figuras repetidas, tais como Randy Orton e John Cena, e sobre retornos nada solicitados, como os de Batista e Brock Lesnar. O Yes! Movement nasce como uma representação da revolução do povo, fazer com que a empresa ouça os pedidos de quem consome o programa. Sinceramente, não sei quão saudável é a WWE construir histórias em cima de movimentos sociais. Uma empresa muitas vezes tachada de racista por algumas atitudes promover algo de importância cultural como foi o Kofimania, ou promover uma Diva’s Revolution após décadas de exploração da imagem das mulheres e que agora lucrava sobre um protesto do povo contra eles próprios pondo Daniel Bryan como pivô da situação. De fato, acaba trazendo visibilidade para assuntos importantes, mas a legitimidade para isso torna-se nebulosa. Bem, vamos nos ater ao assunto principal, o Yes! Movement.
O grito de “Yes!” já era uma febre (continua sendo esbravejado até hoje pelos públicos de luta livre) e impulsionava a carreira de Daniel Bryan. Mesmo com o clamor dos fãs, a Authority (facção composta pela Família McMahon e seus subordinados) menosprezava e retirava oportunidades por lhe classificarem como um wrestler de segunda linha. Uma árdua caminhada de injustiças levou ao “Occupy Raw” no dia 10 de março de 2014, onde Bryan liderava naquela noite a invasão dos seus fãs ao ringue para que a voz do povo fosse ouvida de uma vez por todas, exigindo uma luta contra Triple H no Wrestlemania XXX. Depois de ameaças e discussões, Bryan consegue não somente essa luta, mas também a chance de participar do evento principal pelo título da WWE caso saísse vencedor. O apoio para Daniel Bryan era total e no evento após uma dura batalha ele consegue vencer Triple H, porém saindo lesionado pelo mesmo após o embate. Isso não impediu o lutador de prosseguir e ao final da noite, mesmo machucado, Bryan enfrenta todas as possibilidades para se concretizar campeão unificado do WWE World Heavyweight Championship contra Randy Orton e Batista. Foi algo somente propiciado pela imensidão de uma Wrestlemania, a força do público sendo coroada junto com Daniel Bryan. Aquele final era perfeito, mas tinha fôlego para algo a mais. Um fã do lutador de apenas oito anos chamado Connor Michalek, que sofria de câncer no cérebro, foi acolhido pela WWE e teve a chance de ver seu ídolo sair vitorioso naquele evento. Após ganhar o título, Bryan vai até a primeira fila e abraça Connor, falando que foi graças a ele que o lutador conseguiu vencer. Esse momento foi muito especial para o menino, que infelizmente, veio a falecer decorrente de sua situação de saúde dias depois. Seu fanatismo e a alegria que tinha apesar da batalha que travava em seu cotidiano tornaram-se um simbolo do que a luta livre pode significar e assim Connor the Crusher, como dizia que seu nome de lutador seria, foi introduzido como o primeiro membro do Warrior Awards no WWE Hall of Fame ’15. A pureza no olhar de uma criança vence o ego corporativista, mostrando que heróis podem realmente existir.