Owen Hart: um debate sobre importância dentro e fora dos ringues

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Nos últimos meses, um tweet me chamou atenção e habita o meu pensamento desde então. Nele, o Tanaka faz um breve comentário sobre a entrada de um lutador no Hall da Fama:

Eu não sei o contexto do tweet e nem cheguei a perguntá-lo sobre, mas ele se tornou parte importante de um quebra-cabeças mental que construí após assistir ao último episódio da segunda temporada do Dark Side of the Ring, série da VICE que conta o outro lado de histórias polêmicas da Luta-Livre mundial.

O capítulo reconta o trágico acidente envolvendo Owen Hart no Over the Edge, evento da WWE sediado em Kansas City, no Missouri, no dia 23 de maio de 1999. Naquele dia, o lutador, interpretando Blue Blazer, caiu de uma altura superior a 24 metros, sofrendo sérias lesões com a queda e morrendo logo em seguida.

No episódio, Martha Hart, esposa do lutador, e seus filhos Oje e Athena – esta última mal chegou a conhecer o pai – relatam suas versões do antes, durante e depois da tragédia. Além deles, Jim Cornette, Chris Jericho, D’Lo Brown, Jimmy Korderas e Godfather, que enfrentaria Owen naquela noite, também participam do documentário.

Durante os 45 minutos de exibição do episódio, Martha expôs as provas da investigação policial que tentava descobrir o que e quem causou a morte de Owen. Em um dos momentos mais chocantes, são mostradas as fotos da distância entre o local onde o lutador estava e o ringue, além do gancho utilizado para segurá-lo, que era insuficiente para o seu peso.

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Owen Hart caiu de mais de 24 metros até se chocar com o ringue – Foto: Reprodução/VICE

Martha, mesmo sofrendo constante pressão da família Hart e tentativas de sabotagem, processou a WWE, que após um ano de litígio fez um acordo de 18 milhões de dólares, que seriam destinados à esposa de Owen e seus filhos. Esse dinheiro foi utilizado para criar uma fundação que homenageia o lutador, a Owen Hart Foundation, que atende e auxilia pessoas em situação de vulnerabilidade social e econômica.

Além disso, Martha afirmou que não permitirá a introdução de Owen ao Hall da Fama da WWE, alegando que o evento é apenas uma cerimônia que visa lucrar com o nome dos lutadores que são indicados.

A proibição da indicação de Owen por parte de sua esposa é uma grande reclamação por parte de lutadores que conviveram com o Rei dos Harts, além da sua própria família, que vê a sua introdução ao mais famoso Hall da Fama da Luta-Livre como uma celebração de sua gloriosa carreira, marcada por grandes momentos durante os anos 90.

É aí que o tweet do Tanaka e o episódio do Dark Side of the Ring se encontram e borbulham na minha cabeça.

Veja bem, a indicação de Owen Hart ao Hall da Fama da WWE é justa e óbvia, já que o lutador foi um dos personagens mais sólidos da empresa durante o seu período de transição entre a Era de Ouro e a Attitude Era, tendo uma rivalidade marcante com seu irmão Bret, com direito à luta cinco estrelas.

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Owen e seu irmão Bret protagonizaram uma das melhores rivalidades da Luta-Livre nos anos 90 – Foto: WWE

No documentário, constata-se que o lutador já estava nos momentos finais da sua carreira, já que o mesmo fazia planos com sua esposa para o momento da aposentadoria. Por isso, não importava qual posição ele ocuparia na WWE, ele só não queria participar de situações que pudessem constranger sua família, como foi a recusa de uma história romântica com Debra.

Por isso, interpretar novamente Blue Blazer, como já havia acontecido quando chegara à WWE no fim dos anos 80, não seria um problema. Tampouco descer do teto do ginásio, já que se tratava de uma técnica utilizada várias vezes na empresa, inclusive pelo próprio Owen em uma edição do Sunday Night Heat.

A megalomania dos Vinces (McMahon e Russo) e a tentativa de tornar as cenas da Luta-Livre cada vez mais realistas fizeram com que uma nova empresa fosse contratada para o Over the Edge. Ela, não tão preparada quanto as equipes anteriores, utilizou materiais mais baratos e menos seguros. O resultado foi o fim da vida de um dos maiores lutadores do século XX.

Corretas ou não, as medidas tomadas após o acidente também não foram das melhores. Não isolar um local de um possível crime e deixar um evento onde uma morte acabara de acontecer por mais ou menos uma hora e meia foi um ato de negligência, tanto por parte da polícia local, quanto da WWE, que já se abraçava na ideia de que o “show tem que continuar”, mesmo com circunstâncias em que o entretenimento já não é mais o protagonista.

O show continuou e todos foram para suas casas. Menos Owen Hart, canadense de 34 anos, casado com Martha Hart e pai de dois filhos, que caiu de uma altura de 24 metros no dia 23 de maio de 1999 e nunca mais pode voltar para casa.

Por esse – e principalmente por esse – motivo, é compreensível que a esposa e os filhos de Owen nunca permitam que o seu nome esteja presente no Hall da Fama da WWE. Afinal, que família gostaria de ver a empresa que possivelmente o assassinou conseguindo lucrar com seu nome e a sua morte? Do que adianta Owen ser um mártir de uma época de abusos se o único beneficiado de sua introdução seria a própria empresa que pode ter colocado um ponto final na sua vida por negligência?

Para Vince McMahon, a introdução de Owen Hart ao Hall da Fama resultaria em uma redenção. O comandante da WWE, além de sair como um benfeitor, disposto a celebrar a carreira de um dos seus ex-contratados, não teria mais nenhum débito com a família Hart, que foi uma das que mais sofreu com os mandos e desmandos do Chairman nos anos 90.

Mas a celebração do caçula dos Hart como lutador não precisa passar pelos 15 minutos de discurso da cerimônia do Hall da Fama. Com todos os recursos tecnológicos que temos hoje em dia, incluindo a própria WWE Network, há um grande acervo de lutas e momentos em que Owen está presente e que podemos desfrutar de toda sua habilidade nos ringues, seja nos Estados Unidos, Canadá, Japão ou qualquer outro pedaço do planeta em que ele tenha atuado.

Em 2020, basta pesquisar Owen Hart no google, youtube ou twitter, que teremos acesso à várias histórias sobre o lutador, que é celebrado por cada fã que tem a oportunidade de acompanhar um de seus combates. Além disso, a fundação criada pela sua família faz com que seu legado nunca seja esquecido. Seja dentro ou fora dos ringues, Owen será eterno.

A história do acidente de Owen é, para mim, o episódio mais emblemático para evidenciar os problemas que a megalomania dos promotores da Luta-Livre no final dos anos 90 podia causar a lutadores e suas famílias. A sua morte, ao vivo, para um grande público dentro do ginásio e que acompanhava pela TV, seguida do prosseguimento do show por mais um longo período de tempo, me lembra uma música de Chico Buarque, chamada ‘Construção’.

Nela, o cantor retrata as condições precárias dos trabalhadores durante o período da Ditadura Militar. A canção é de 1969, mas casa tão bem com uma situação que aconteceu 30 anos depois que encerrarei este texto com alguns dos seus versos:

“Dançou e gargalhou como se fosse o próximo
E tropeçou no céu como se ouvisse música
E flutuou no ar como se fosse sábado
E se acabou no chão feito um pacote tímido
Agonizou no meio do passeio náufrago
Morreu na contramão atrapalhando o público”

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