Pelos cabos televisivos hoje corroídos pelo tempo, na passagem do século XX para o XXI, o programa Battle Dome era transmitido aqui no Brasil pelo canal AXN. Sabe aquelas memórias de infância adormecidas em nossas mentes, que mesmo que não sejam tão mais nítidas, são influentes em nosso presente? Você está fazendo tudo que normalmente faz em seu cotidiano, quando de repente algo lhe transporta para o passado, um gatilho para qualquer momento perdido de sua vida. Foi assim que me ocorreu com o programa, que eu via quando criança e que por muito tempo não tive mais contato. Não que eu tivesse esquecido por completo de sua existência, mas o que eu percebi foi que mesmo sem querer ele acabou sendo um dos pilares para que eu entrasse de cabeça no mundo da luta livre, muito antes de conhecer a WWE. Além disso, pesquisando sobre o programa, descobri tantas conexões interessantes que merecem ser citadas, que trarão um tom de nostalgia para quem viu e ao menos curiosidade para quem nunca tinha ouvido falar sobre.
O Battle Dome era uma competição onde os participantes, quase sempre praticantes de lutas e artes marciais, eram postos em desafios contra os lutadores do programa (chamados de Warriors) em busca de maiores pontuações para conquistar um prêmio de 1.000 dólares e posteriormente a possibilidade de 100.000 em uma grande final. Alguns nomes conhecidos no MMA já testaram suas habilidades por ali, como Jay Martinez, Darrell Gholar e até o brasileiro Fabiano Iha. A essência do Battle Dome vinha das estruturas mirabolantes aos quais os competidores eram colocados, que verdadeiramente poderiam machucá-los como de fato ocorreu algumas vezes em casos de narizes quebrados, calcanhares fraturados e concussões. Para mim, uma das provas mais memoráveis era a Battle Wheel, uma plataforma rotativa onde os participantes tinham de empurrar dois Warriors até a borda, isso correndo contra um cronômetro decrescente. Outra muita marcante era a Aerial Kickboxing, onde eles teriam de derrubar o lutador em uma grade erguida alguns metros do chão, antes que o tempo acabasse. A Rollercage também tem de ser lembrada, que era um cilindro giratório com buracos onde o objetivo era empurrar o adversário e não cair junto, se possível. Essas eram algumas das provas que eram espalhadas por toda a Los Angeles Sports Arena, uma extravagância em questões de verba que certamente contribuiu para o fim do programa em apenas duas temporadas.
Lembra que eu tinha dito que Battle Dome influenciou minha então futura paixão pela luta livre? Isso se dava pela atmosfera em volta dos Warriors, lutadores com personalidades iguais as que vemos na WWE ou em qualquer outra federação do ramo. Um dos meus favoritos era Bubba King, que se vestia igual o Stallone no filme Falcão – o Campeão dos Campeões e era praticamente invencível no Aerial Kickboxing. O gigante jamaicano Cuda também é uma figura essencial na história do programa, com sua atitude selvagem, sua maquiagem tribal e suas vestes coloridas. Além desses, alguns nomes que podemos recordar aqui são de Michael O’Donnell, do motoqueiro Jake Fury, o insano Payne, o Comandante, entre muitos outros. Mas, de todos os Warriors que já passaram por ali, ninguém se tornou tão famoso após o fim do programa quanto T-Money. Eu confesso que não lembrava muito dele na minha infância, mas sua persona era a de um gângster, rodeado por seguranças e por correntes de ouro. Alguns anos mais tarde, ele seria célebre por vários filmes e seriados em que fez parte, além de um carisma contagiante do próprio ator. O nome dele? Terry Crews!
Isso mesmo, antes de se tornar o pai do Chris, de fazer parte do departamento de policia de Brooklyn Nine-Nine e de cantar “A Thousand Miles” em As Branquelas, Terry Crews começava sua subida ao estrelato no Battle Dome. Após se aposentar do futebol americano e estar completamente sem dinheiro, o ator tem sua primeira oportunidade de alcançar seu sonho em se tornar famoso em Hollywood levando suas habilidades como ex-atleta para o programa, o que acabou lhe trazendo processos por machucar pessoas durante as gravações. Podemos dizer que Terry Crews começou sua carreira sendo um pro wrestler, e se você acha essa ligação com a luta livre não muito forte, o ator chegou a encabeçar um momento contra a WCW, que já estava respirando por aparelhos na época. Rick Steiner quase foi destroncado ao se deparar com o poder dos músculos de Terry Crews, aliás.
Tudo começa quando DDP, Rick Steiner, Buff Bagwell e Ernest “The Cat” Miller invadem um dos episódios do Battle Dome, começando ali uma rivalidade inter promocional bastante peculiar. Tempo depois, chega a vez dos Warriors invadirem a WCW, trocando insultos e colocando combustível em algo que poderia surgir posteriormente. Como sabemos, a WCW era conhecida por não fazer grandes escolhas e por se perder em suas ideias, o que acabou terminando essa história poucas semanas à frente com nada mais do que algumas interações aleatórias entre os dois lados. De qualquer maneira, em março de 2001 a WCW declara falência, cortando de vez qualquer resquício de plano que ainda poderia ser construido. Essa rivalidade que não chegou a lugar algum deve ser lembrada como um fato curioso, ainda mais por ela se passar meses antes da famosa InVasion, quando a WCW e a ECW se juntaram para destronar a WWF. Uma reciclagem de conceito, talvez?
A sensação de saudosismo fez com que eu idolatrasse o programa por todos esses anos, me recordando de algo excepcional, fora do comum, um clássico esnobado e desvalorizado. Analisando nos dias atuais, vejo que a história não é bem assim. Battle Dome envelheceu refletindo muito do seu tempo e tem suas falhas, como podemos observar em sua demonstração de testosterona exacerbada com pequenas pinceladas de machismo. Tendo eu vista que o programa não fugia muto dos parâmetros da época (basta lembrar como a Attitude Era retratava as mulheres, por exemplo), eu o coloco na minha lista de favoritos de todos os tempos, não sendo à toa que eu homenageio nesse texto que me trouxe muitas boas memórias, uma pescaria de lembranças. E você, o que traz de bom da sua infância?