É mais uma sexta feira de Lucha Libre na Arena México.
Mas a plateia sempre animada e calorosa não se faz presente. A pandemia de COVID-19 força a CMLL a realizar seus shows à portas fechadas.
Ainda sim, é possível ouvir o barulho do público, através de áudios pré-gravados reproduzidos nas caixas de som da arena, dando uma pequena amostra da potência que é a plateia mexicana.
Se não há nada a se olhar na plateia, no ringue as coisas são diferentes
Temos dois luchadores prontos para o combate. Dois homens que à primeira vista parecem bem semelhantes: ambos são atléticos, têm estatura semelhantes e cabelo na altura dos ombros.
Talvez, a diferença mais notável é que só um deles utiliza máscara.
Mas existem muitos elementos particulares em cada um: o homem sem máscara é um veterano com 40 anos de idade, sendo mais da metade deles desempenhando o papel de lutador profissional.
Esse homem é Volador Jr., um dos lutadores mais queridos atualmente pelo público mexicano e um dos – se não o maior – nome do roster da CMLL.
Do outro lado, o homem mascarado é Bandido, um jovem talento que apesar do pouco tempo de ringue, já desbravou os 4 cantos do globo e está longe da alcunha de promessa. Ele é uma realidade, e é o que há de melhor na Lucha Libre Mexicana.
Mas ainda precisa das glórias que só uma vitória na Arena México, solo sagrado da Lucha Libre, diante de um veterano com status de lenda, poderia entregar.
Os dois homens já estiveram no mesmo ringue algumas vezes ao longo dos últimos anos, mas é a primeira vez em um embate um a um, sem nenhum outro lutador para se preocupar, sem nenhum contratempo que impeça que eles finalmente possam entregar aquilo que o público há meses espera ansiosamente para ver.
Por alguns poucos segundos, os lutadores se encaram, mas aquele curto espaço de tempo parece uma eternidade. É possível ver no olhar tenso de ambos o que tudo aquilo representa.
Aquela era muito mais que uma simples luta
Então soa o gongo e se dá início a um combate de três caídas, e depois de algumas provocações de ambos os lados começa o embate. A luta já começa com o ritmo muito rápido cheio de golpes e reversões, nada de surpreendente se tratando de Lucha Libre.
Mas aqueles poucos minutos já representavam uma tradição de mais de 100 anos, onde era possível ver em cada golpe um pouco de El Santo, Blue Demon, Eddie Guerrero, Lola Gonzalez, Rey Mysterio, Faby Apache, Mistico e todos os outros nomes dos ícones que ajudaram a moldar esse estilo.
Então, subitamente em meio a esse começo acelerado, algo surpreendente acontece: Bandido coloca Volador Jr. contra a lona. O árbitro conta 1,2,3 e o mascarado ganha a primeira caída.
Ambos ficam incrédulos com o que acaba de acontecer. Volador Jr. questiona de forma incisiva o árbitro quanto ao resultado, enquanto Bandido celebra muito, quase como se a luta já estivesse acabada. Mas quem faria diferente disso, diante do grande obstáculo ultrapassado?
Depois de alguns minutos de pausa, o arbitro dá inicio a segunda caída. Dessa vez, as coisas começam diferentes.
Sabendo da diferença no placar, Volador Jr. começa o segundo round muito mais agressivo. Ele quase não dá chances de reação a Bandido, e vai dominando a luta em todos os aspectos, tomando uma atitude afrontosa que raramente é possível ver no lutador.
Essa atitude denuncia muito da preocupação e importância que Volador Jr. dá para essa luta
Passado alguns minutos, Bandido tenta resistir, mas o resultado da segunda caída não tarda a chegar, e então o veterano leva a melhor com sua feroz ofensiva.
Após mais um pequeno intervalo se tem inicio a última das três caídas, mas fica claro que agora as coisas não serão resolvidas de forma tão rápida como anteriormente. Os dois lutadores vão com o máximo de suas forças e o público é presenteado com o que os dois tem de melhor em seus movesets.
O embate é duro, nenhum dos lados consegue obter uma grande dominação. Mas em certos momentos, os dois luchadores quase se transformam no mesmo. A sombra de um é o outro, e talvez isso seja, de certa forma, uma metáfora para o que Volador Jr. e Bandido representam.
Eles são dois lados de uma mesma moeda, dois homens que colocaram seu corpo, mente e alma à serviço da Lucha Libre. Dois homens que elevam suas energias até a última potência para entregar um espetáculo.
Já se passam 30 minutos, e os lutadores começaram a demonstrar seu esgotamento
Eis que depois de uma falha de Bandido, Volador Jr. se aproveita do momento e aplica um Flip Piledriver. O juiz abre contagem pela última vez e finalmente temos um vencedor.
Depois de um embate épico, é o veterano que fica com a vitória, mas a sensação final é que não existe um derrotado.
Ainda que visivelmente muito cansado, Bandido não demonstra estar nem um pouco triste com resultado, parecendo entender que enfrentou um dos melhores que a Lucha Libre Mexicana já viu, e que o fato de ter duelado de igual para igual com aquele que um dia parecia um ícone distante, já era o suficiente para se sentir vitorioso.
Volador Jr. por sua vez, fica o tempo inteiro após a vitória ao lado de seu adversário, demonstrando total respeito a aquele jovem talento. Por fim, temos um aperto de mão seguido de um abraço caloroso, e lentamente o lutador derrotado se retira do ringue, deixando o vencedor ter seu momento de glória.
Se encerra mais uma noite de luta na Arena México
Noites como essas acontecerão aos montes, mas essa luta permanecerá por muito tempo na memória daqueles que a presenciaram, uma luta que escancara toda a potência de uma atividade que move um povo.