Olá, olá. Estamos de volta para lembrarmos as maiores facções da história da luta livre, que nunca chegaram a serem propriamente oficializadas em cima de um ringue. Fora do olhar do público, laços foram criados, amizades foram construídas, e em certos casos, inimigos foram declarados. Entre o kayfabe e o shoot, há muita mais do que podemos imaginar. Preparem-se para a segunda e última parte do nosso artigo, boa leitura.
Bone Street Krew
Os cinco membros do Kliq queriam controlar tudo ao seu redor. A Bone Street Krew queria apenas se divertir. A facção era formada por Yokozuna, Undertaker, Paul Bearer, Mr Fuji, Rikishi, The Godfather, Crush, The Godwins e Savio Vega. A primeira vista, o grupo parece ser constituído por nomes aleatórios, nunca iríamos imaginar que esses lutadores poderiam ter uma ligação tão forte nos bastidores. Após analisarmos mais profundamente, entenderemos a razão pela conexão entre todos esses atletas: o amor que tinham pelo pro wrestling, de forma pura e honesta.
Diante da tirania do Kliq, o BSK é sempre posto como um arquirrival, como se houvesse uma verdadeira batalha de gangues nos locker rooms entre os membros. Undertaker tinha o respeito suficiente para, sem trocadilhos, enterrar sozinho qualquer membro do Kliq se assim desejasse, além de proteger seus amigos que tinham menos visibilidade na empresa. Porém, mesmo que o comportamento de Shawn Michaels e de seus amigos não fossem bem visto entre os outros lutadores, os dois grupos sempre tiveram uma boa relação e viajavam lado a lado durante as turnês da WWF.
A facção surgiu como uma brincadeira, a real finalidade era o companheirismo entre todos eles, que compartilhavam os mesmos gostos. Fora assuntos relacionados ao wrestling, a atividade favorita do grupo era arquitetar brincadeiras entre eles, ouvir música e jogar dominó, algo que definitivamente não consigo imaginar o Undertaker fazer. O nome da facção, supostamente, teria vindo das peças do jogo, também conhecidas como “bones“. Porém, é dito que Yokozuna gritava frases como “Bone Street Krew is in the house!”, e assim foi batizado o grupo, mesmo ninguém tendo a mínima ideia do real significado disso. Para eternizar a amizade entre todos, grande parte do grupo tem tatuado em seu corpo algo referente à stable. Savio Vega tem a sigla BSK tatuada no braço, Godfather tem nas costas, Henry Godwin na perna e Phineas Godwin no pescoço. É dito que Paul Bearer também teria alguma tatuagem parecida, mas nada comprovado. A mais lembrada certamente é a de Undertaker, onde podemos ver em seu estômago a frase BSK Pride.
O grupo ainda continua “ativo” na WWE pelas mãos de Undertaker, único membro ainda vivo ou que ainda não se aposentou dos ringues. Falando sobre ele, sete dos únicos nove títulos mundiais que a BSK conquistou foram ganhos pelo Deadman, mostrando que a facção limitava sua influência realmente apenas nos bastidores. Mesmo assim, eles conseguiram emplacar cinco nomeações no WWE Hall of Fame, além de marcar a memória dos fãs com o que sabiam fazer na vida: lutar.
Gold Dust Trio
A facção mais antiga dessa lista, surgida na década de 20. Pouco reverenciados quanto mereciam, o lutador Ed “The Strangler” Lewis, seu manager Billy Sandow e o futuro promotor Toots Mondt (falamos um pouco sobre ele no texto sobre nomes para o WWE Hall of Fame ’17), foram simplesmente vitais para a construção da luta livre. Basicamente tudo que você vê, desde a dark match da federação indie mais inexpressiva até o main event de uma Wrestlemania, é de total responsabilidade pelas mudanças drásticas implantadas pelos então intitulados The Gold Dust Trio.
Os três se conheceram quando Billy Sandow (influência direta no ringname do ex-WWE Damien Sandow) estava à procura de um sparring para seu campeão Ed Lewis. Foi então que Mondt foi contratado, trazendo uma nova doutrina para que os oponentes não lesionassem o lutador. O wrestling não era mais tão legitimo quanto antigamente, mas o kayfabe foi aperfeiçoado principalmente pelo brilhante olhar de Toots Mondt, traçando um caminho revolucionário sobre um esporte em plena decadência. A falta de figuras carismáticas e a mesma fórmula cansativa de lutas que poderiam perdurar por horas fez com que o público começasse a se afastar cada vez mais. Mondt misturou uma variedade de outros estilos de luta e criou um wrestling mais rápido, mais atraente, formando assim a base do pro wrestling moderno como conhecemos. Trouxe conceitos cruciais que eram totalmente incomuns para a época, como as storylines, rivalidades contínuas, lutas com finais pré-determinados, tag teams, eventos com cards completos, apresentações em locais de maior visibilidade, entre muitos outros. A mente visionária de Toots Mondt, o sucesso de Ed Lewis e a administração de Billy Sandow fizeram do trio um marco na história da luta livre.
A amizade entre os três teve seu fim alguns anos depois. Lewis se aposentou, Sandow tornou-se empresário de outras estrelas e Mondt se tornou um promotor influente, chegando a criar o embrião do que viria a ser mais tarde a WWE. O Gold Dust Trio são os pais fundadores da indústria do entretenimento que o wrestling se tornou, o grupo mais importante a ser citado em toda essa lista.
The Scrub Room
Existe pouca informação sobre esse grupo, pois são apenas amigos sem nenhum plano maquiavélico de dominar o universo do pro wrestling. Porém, mesmo sem querer, eles estão acabando por fazer isso apenas com seu talento e determinação. Kevin Owens e Sami Zayn, que viraram protegès de Triple H como vimos na primeira parte desse artigo, faziam antes parte da The Scrub Room junto de seus amigos Seth Rollins, Jimmy Jacobs e os irmãos Jackson da Young Bucks.
Sendo scrub uma gíria para perdedor ou fracassado, o nome foi aparentemente escolhido pois os cinco preferiam, durante as turnês da ROH, ficar trancados em um quarto de hotel comendo pizza e conversando inutilidades do que encher a cara em festas como a maioria dos outros lutadores faziam. Isso é confirmado pelos próprios Nick e Matt Jackson. Você pode se identificar com eles nesse aspecto, mas acredito que pare por ai (desculpe, a verdade às vezes machuca). Eles não têm nada de scrubs, definitivamente. Kevin Owens e Seth Rollins já seguraram o título mundial na WWE. Sami Zayn tá sendo mal utilizado, mas eu tenho certeza que um dia também chegue ao topo da empresa, apoio dos fãs é o que não falta. Com seu arsenal de flippy shit, os Young Bucks dominam as divisões de duplas do cenário independente mundial, sendo a tag mais cultuada da nova geração. Até Jimmy Jacobs, que ouso dizer é o menos famoso desse grupo, chegou ao topo da cadeia alimentar, trabalhando atualmente como booker do Raw. Definitivamente, eles tem de mudar esse nome para algo mais apropriado.
WCW Vanilla Midgets
Vanilla midget foi um termo criado por Kevin Nash (olha o Kliq aqui de novo) para representar aqueles lutadores com técnicas de ringue extraordinárias, porém com pouco carisma e com uma estatura mediana ou baixa. Traduzindo porcamente, seria algo como “anões sem graça”, um contraponto aos lutadores quase fisiculturistas estabelecidos por séculos como modelo no pro wrestling, que se garantiam mais no mic skill do que dentro do ringue. Para ele, esse tipo de lutador não teria o porte suficiente para se tornar o campeão principal de uma fed, não servia para colocar um título mundial na cintura. Ainda bem que não damos ouvidos para que o Kevin Nash diz, porque vários momentos inesquecíveis foram protagonizados por esse tais vanilla midgets, do passado e do presente.
O grupo a seguir compartilha, além da amizade, esse mesmo estereótipo. Seriam eles Eddie Guerrero, Chris Benoit, Perry Saturn, Dean Malenko, Chris Jericho e Rey Mysterio, entre outros aliados. Eles não são tão altos, nem muito bombados, mas suas habilidades in ring são o suficiente para glorificá-los como os melhores da história. Muitas pessoas tinham o mesmo pensamento de Kevin Nash décadas atrás, menos o visionário Paul Heyman, que escancarou as portas de sua ECW para esses talentos. Os seis lutavam mais ou menos na mesma época, e criaram uma parceria nos bastidores que perdurou através dos anos. Eles seguiam caminhos parecidos nas big leagues, zarpando na WCW para tentar se destacar em terras dominadas por lutadores “hulk hoganianicos”. Isso não foi nada fácil, pois mesmo com a reputação alta entre os fãs, eles não tinham a aprovação e aceitação da diretoria, ninguém acreditava em seus potenciais. Sendo assim, eles amargaram a presença em cards inferiores, sendo vetados das lutas principais por anos. A falta de visão foi um dos motivos da falência da WCW. A contratação desses lutadores pela WWF mostra muito bem o benefício de escutar a vontade dos fãs. Uns mais outros menos, todos tiveram seu destaque na empresa de Vince McMahon, enquanto a WCW fechou suas portas em 2001. Se não fosse o apoio mútuo entre eles, poderíamos ter perdido talentos insubstituíveis. A maior influência que esses companheiros de locker rooms impuseram foi realmente inspirar muitos outros lutadores, que também não seguiam os padrões e que tiveram suas habilidades subestimadas. Eles mostraram que o importante é darmos o melhor de nós mesmos, não importando as barreiras colocadas em nossos caminhos, que um dia encontraremos nosso lugar. Kevin Nash, vá a merda.
The Four Horsewomen
Dentro do NXT, surgiu um grupo de divas que revolucionou os padrões da empresa. Ou melhor dizendo, um grupo de lutadoras, com um talento fenomenal. O lendário Ric Flair um dia liderara uma das maiores facções da história da luta livre, a The Four Horsemen. Sua filha seguiu a tradição, fazendo parte da versão feminina não oficial da stable, ao lado de Bayley, Sasha Banks e Becky Lynch, batizada como The Four Horsewomen. As quatro tomaram caminhos distintos quando entraram no roster principal, mas de vez em quando acabam se encontrando entre uma luta e outra. Em alguns desses momentos, é inevitável a quebra de kayfabe pelo grau de amizade dessas lutadoras. No NXT Takeover: Brooklyn de 2015, por exemplo, elas protagonizaram um novo “Curtain Call”:
Lembrando que nessa época Sasha Banks era heel, e no outro dia ela enfrentaria ao lado de suas companheiras de Team B.A.D. as então faces Charlotte e Becky Lynch (como parte da Team P.C.B., com Paige) no Summerslam daquele ano. Depois desse abraço, ficou difícil acreditar na “legitimidade” da Boss como vilã. Essa demonstração de afeto é recorrente, elas sempre expõem sua amizade entre sorrisos, abraços e o sinal dos Horsemen, independente da direção de seus personagens. Acho que vendo uma cena tão bonita como essa, isso realmente não importa. É, essas garotas estão cagando para o kayfabe. E na verdade, aquém ainda se importa fervorosamente com isso em 2017? Principalmente por se tratar da brand que o mesmo Triple H do “MSG Incident” fundou, além de terem o apoio total de Steph O’Mac.
A amizade delas continua firme e forte, não é raro ainda vermos elas juntas na plateia de eventos da WWE como meras espectadoras. Foi o que aconteceu no Mae Young Classic, torneio feminino promovido pela empresa onde 32 lutadoras competem entre si, que certamente teve influência para sua criação muito pelo sucesso das quatro amigas. Lá estavam na primeira fila Charlotte, Becky Lynch e Bayley (Sasha Banks estava promovendo outro evento da WWE na mesma data), que protagonizaram um momento muito intrigante. No MMA, existe outro grupo também denominado The Four Horsewomen, encabeçado por Ronda Rousey, que é fã assumida de luta livre (já falamos um pouco sobre essa paixão da lutadora nesse texto). Além dela, as outras três “amazonas” são as lutadoras Marina Shafir, Jessamyn Duke e Shayna Baszler. A última se tornou uma pro wrestler há alguns anos, e fazia parte do torneio. Após sua luta contra Zeda, ao ir embora ela encara Charlotte, Lynch e Bayley, com algumas palavras e mostrando o simbolo do grupo. Rousey, Shafir e Duke também estavam na plateia no lado oposto, e assim vemos uma batalha de provocações entre as Four Horsewomen do MMA com as Four Horsewomen da WWE, separadas por uma rampa. Foram apenas alguns segundos, mas certamente foi épico, e abre uma possibilidade para um embate muito interessante entre dois universos diferentes.
A hugger, a boss, a queen e a lass-kicker já se tornaram todas campeãs da WWE ao menos uma vez, juntando 12 títulos mundiais no roster principal, fora os 3 do NXT. Elas quebraram vários tabus na WWE, trazendo uma verdadeira transformação para a divisão feminina da empresa. Por meio das componentes da Four Horsewomen, fomos testemunhas da primeira iron man match e da primeira hell in a cell match entre mulheres da história, sucessivamente a primeira luta feminina a ser main event de um PPV do NXT (Bayley vs Sasha Banks – NXT Takeover: Respect) e a primeira luta feminina a ser main event de um PPV principal da empresa (Charlotte vs Sasha Banks – Hell in a Cell ’16). A maior duração de um embate entre mulheres na WWE, 34min45, também tiveram a participação do grupo, na luta Charlotte vs Sasha Banks no Roadblock: End of the Line de 2016. Charlotte Flair inaugurou o Raw’s Women Championship e Becky Lynch o Smackdown’s Women Championship, dois títulos de suma importância na história do wrestling feminino na WWE. Uma facção imensamente importante, e que trará inúmeras novas conquistas para as mulheres na luta livre. A revolução está só no inicio.
The Canadian Mafia
Se o Kliq tinha um verdadeiro rival, esse não seria a BSK, mas sim a facção conhecida como The Canadian Mafia. O lutador Bret Hart, figura mais imponente da facção, declarou certa vez que o Kliq era um câncer nos bastidores, e nós sabemos bem o porquê. Muitos lutadores sofreram com a dominância tirânica de Shawn Michaels e seus amigos, principalmente se você tinha alguma relação com a Família Hart. Vemos um pouco disso na primeira parte do nosso artigo. Para se proteger, muitos se juntaram e bateram de frente contra as políticas que garantiam os interesses de poucos nomes. Assim surgiu a Canadian Mafia, que como uma verdadeira máfia, tinha os valores familiares como prioridade. Bret Hart, Owen Hart, Jim Neidhart e os British Bulldogs representavam o legado da dinastia rosa e preto. Ao longo do tempo, eles recrutavam a amizade de aliados honorários, como Pat Patterson, Bad News Brown, Dino Bravo, The Mountie, Brian Pillman, Rick Martel, Ron Garwin, Chris Benoit, entre outros. Juntos se tornaram fortes, assegurando a carreira de todos naquela época, um ajudando o outro. Tendo basicamente o Canadá inteiro no locker room, o Kliq se sentia ameaçado por esse conglomerado de compatriotas e simpatizantes. Ou melhor, Shawn Michaels se sentiu ameaçado, principalmente com Bret Hart, que também era um lutador bem egocêntrico e com certa influência nos bastidores. E se Michaels se sentia ameaçado, todo o seu grupinho também teria de se sentir. Ironicamente, Bret teria sido convidado para fazer parte do Kliq anos antes, e sua recusa certamente deve ter criado uma mágoa no coração quebrado do Heartbreak Kid. O Montreal Screwjob foi a consequência máxima desse embate de gigantes, a explosão de uma rivalidade de egos inflados e conspirações de bastidores. Após o acontecimento, quase todos os lutadores da família saíram da empresa, deixando para trás somente Owen Hart, que ficou preso à Vince McMahon por motivos contratuais. Com a saída de Bret, a Canadian Mafia tinha agora um novo líder.
Indiretamente, a raiva que Vince McMahon nutria por Bret Hart foi direcionada para o remanescente dos Harts na WWF. Parecia que a carreira de Owen Hart iria deslanchar, o que acabou não acontecendo. No hype da saída de Bret Hart e seus amigos para a WCW após o Montreal Screwjob , Owen foi usado para atrair atenção para o Raw, onde ele foi posto como desafiante para o título do então campeão Shawn Michaels. Porém, ele não chegou a ganhar o título mundial da WWF durante toda sua carreira, até sua trágica morte no evento Over the Edge ’99. De qualquer forma, ele era um exemplo nos bastidores para uma nova leva de lutadores canadenses. Os novos membros da Canadian Mafia a serem agraciados pela influência e experiência de seu mentor Owen Hart foram Edge, Christian e Test, formando uma nova encarnação do grupo e prolongando sua existência pelos anos 2000. No Raw tributo a Owen Hart após sua morte, Edge falou sobre a Canadian Mafia, e como ela foi importante em seu inicio de carreira. Foi a primeira vez que o público pode conhecer a existência da facção, expondo a hostilidade dos bastidores do pro wrestling.
E chegamos ao fim, obrigado por ter acompanhado tanto essa como a primeira parte de nosso texto sobre as facções. Comente, curta, compartilhe, divulgue… Expresse-se! Até outra oportunidade.