Resenha: Garra de Ferro

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A palma da mão encontra a testa do adversário. Com o polegar e dedo mindinho coroando as têmporas, a pressão máxima da mão humana é aplicada ao crânio. A força torturante derruba, desmotiva, tortura, leva à desistência, ao pó.

Esta é a Garra de Ferro (Iron Claw, no original), golpe finalizador que dá nome ao filme dirigido e escrito por Sean Durkin (The Nest). Nele, vemos a história da família Von Erich e sua jornada na indústria do Pro Wrestling, através de glórias e desgraças, em busca do prêmio máximo do esporte: o título mundial de pesos pesados.

Tal caça é encabeçada pelo patriarca da família, Jack Adkisson (Holt McCallany), que lutava sob a alcunha de Fritz Von Erich e que nunca conseguiu vencer a cinta principal.

Frustrado, ele vê nos filhos uma chance de não só continuar o legado da família dentro dos negócios da luta livre, mas de tomar o que ele vê como um direito que lhe foi tirado pelos “poderes maiores” da NWA, aliança nacional de territórios do Wrestling que, sob a direção de um conselho administrativo e de uma presidência linha dura, controlava o título principal do país.

Os filhos

Kevin Von Erich (Zac Efron, do inesquecível High School Musical), é nosso ponto de vista nesta história. É sob seus olhos que vemos de que forma ele, junto dos irmão David (Harris Dickinson, Triangulo da Tristeza), Kerry (Jeremy Allen White, The Bear) e Mike (Stanley Simons, Superior), carrega o peso das expectativas da figura paterna, que parece concatenar no cinturão máximo da indústria toda a figura da masculinidade, força e moral que um ‘homem’ Von Erich deve ter.

O filme, através deste prisma, nos guia pela vida do que seria o típico garoto branco do sul Estado Unidense. Logo, enquadra a família sob três sombras, estas que representam muitas outras da região de Dallas, Texas, onde se passa praticamente a totalidade do filme: a arma, a cruz e o pai.

Assim como a garra de ferro, esses tendões estão constantemente pressionando a cabeça dos personagens, em tamanho aperto que, inevitavelmente, faz escorrer o sangue.

E é na tentativa de retratar todas as nuances dessa dinâmica que o filme erra e acerta.

Erros e acertos

Assim como, na luta livre, é preciso sintonia para que a ilusão funcione, no cinema não se torna diferente. Contudo, parece que, principalmente, roteiro e direção, resolveram não cooperar entre si e brigam mais do que ‘lutam’, à moda do telecatch.

Sean Durkin não consegue manejar suas duas funções sem que uma tente aparecer mais que a outra; em momentos que o filme simplesmente poderia mostrar, ele diz, as vezes até demais.

Sendo assim, a força de Garra de Ferro está, curiosamente, no silêncio, mesmo que este se encontre em meio ao barulho.

Na quietude antes do tiro, no barulho das cordas. Nos corpos chocando-se com o ringue ou nas montagens espalhafatosas de luta, no barulho da torcida em gritos e glossolalia.

Deste modo, quando o filme sente que precisa falar – à exceção de uma cena final, em que Zac Efron diz, letra por letra, uma frase já dita publicamente por Kevin Von Erich – é quando ele menos diz.

Os diálogos, com sorte, são explicativos, mas sua principal função é a exposição gritante dos objetivos e personalidades de todos ali. São raros, talvez únicos, os momentos em que tanto imagem quando letra não competem e sim complementam.

As interpretações, outrossim, não ajudam.

Atuações

Zac Efron é mais um executor que ator dentro da proposta do filme. Não é, contudo, incompetente, uma vez que transmite com clareza o que quer passar a película. Isso se reflete em grande parte das outras atuações. Jeremy Allen White, dos quatro irmãos, talvez seja o mais chamativo. Entretanto, isso se da muito devido à natureza do personagem e, de certa forma, à própria persona de White associada ao seu trabalho em The Bear. Esta, outra obra que trata – ai sim com escrita quase perfeita – ansiedade, pressão familiar e busca pela perfeição.

Em Iron Claw, contudo, se tem uma versão mais reduzida disso; novamente uma execução quiçá mecânica, na sua eficiência gélida e de potência não mais que necessária ao mínimo.

São simples realizações, no estrito senso da palavra.

Novamente, é por essa eficiência que o filme pode, numa mesma linha, funcionar e não funcionar.

Entretanto, isso não quer dizer que a direção não tenha seus grandes acertos.

O que funciona

Um ótimo exemplo é a cena de reviravolta de Kerry Von Erich. O filme, em uma contemplação um pouco distante e quieta da manhã do lutador, consegue de trazer fortíssimo impacto. Dessa forma, mostra efetivamente a magnitude do problema sem que alguém precise estar em tela dizendo “Oh Deus, isso é terrível”.

Curiosamente, a melhor atuação do filme não está em nenhum dos quatro garotos principais ou na figura amedrontadora de Fritz.

Apesar da Pam Adkisson de Lily James ser uma figura ao mesmo tempo carismática e quebrada, é na mãe da família, Doris (Maura Tierney) que se vê o verdadeiro peso de toda àquela sociedade rural cristã estado unidense.

O roteiro não lhe dá, em grande parte do filme, quase nenhuma qualidade remível. Contudo, Maura consegue alcançar um equilíbrio. Ela navega entre a contenção de sentimentos imposta pela mão firme do marido e a sensibilidade de uma mãe que vê sua família desmoronar ao seu redor. Ao fim do filme, é nela e no personagem de Efron que se vê as maiores sequelas daquela vida.

Suas cenas são poucas, mas sua capacidade de ser, ao mesmo tempo, irritante, compreensível e, por fim, tridimensional, é o que a traz Doris para um patamar que, muitas vezes, o filme não consegue alcançar com os outros personagens.

Quanto a outros aspectos da obra.

Outros aspectos

A edição e montagem é suficiente. Nessa medida, transita habilmente entre montagens de combates e momentos eufóricos para sequências em que o filme quase se nega a olhar, com cortes por vezes secos, mas menos chamativos. A narrativa é linear e cristalina e, no que tange contar a história, a execução é perfeita. É praticamente impossível se perder no fio da meada em Garra de Ferro.

Através das lentes de Mátyás Erdély (Filho de Saul, Sunset) tem-se uma direção de fotográfica muito bonita, de iluminação precisa e enquadramentos que são esteticamente agradáveis e hora servem a narrativa de maneira ímpar, hora são limitados à sua própria beleza.

Outro aspecto que é feito de maneira exímia é a reconstituição de época. A direção de arte do filme consegue trabalhar, sem muitos elementos que forcariam o clichê, todo o clima dos anos 80 no universo do Pro Wrestling.

As roupas hora coloridas no amarelo intenso das luzes do ringue são ao mesmo tempo abraços ao lúdico do esporte e, em outros momentos, grilhões de uma vida supersaturada e exaustiva, numa cor que pode ser tanto a glória quanto a náusea.

Ainda nas cores, o filme se coloca em tons mais sóbrios, novamente sem arriscar muito, quando o drama se acomete, vez após vez, na vida da dita “amaldiçoada” família.

Escorregada

O mesmo esmero não pode ser replicado dentro da análise quando o assunto são as caracterizações de figuras históricas da indústria. Personagens como Ric Flair e os Fabulous Freebirds, apesar das curtas aparições, tem tempo de tela o suficiente para demonstrar o porco ofício realizado nas representações destes. É como se, para decidir casting de alguns personagens, fosse terceirizado o trabalho para a equipe da série de TV Miguelito.

É interessante pensar também sobre a maldição. Sua presença é constante presença, mas não lhe dão um motivo além do nome “Von Erich”. Acontece que, na realidade, o filme deixa de fora o fato do nome ser somente um elemento da persona nazista adotada por Fritz no começo de sua carreira, acompanhada por cruz de ferro, passo de ganso e indumentária vermelho branco e preto.

O peso do nome, a maldição, deixa de ser então o legado de uma escolha que, talvez, tenha trazido repercussões metafísicas à prole de Jack Adkisson e transforma Fritz Von Erich na verdadeira maldição da família.

Outra alteração mais chamativa da história real, e que contribui muito para o filme como um todo, é a subtração de Chris Von Erich da narrativa como um todo. Na realidade, à exceção de Jack Jr, que morre ainda na infância, existiam cinco irmãos e não quatro. Chris, que também teve trágico fim, não aparece na película e é ali representado em grande parte pela persona de Mike Von Erich.

Mudanças como estas são muito bem vindas em qualquer trabalho ficcional, uma vez que o mais importante é a qualidade do longa-metragem e não sua precisão histórica. Nesta veia, o filme toma inúmeras liberdades, para melhor em praticamente sua totalidade.

Por fim

Com estas alterações, a Garra de Ferro que tudo consome e oprime é a força que tenta – e consegue – dominar vida e morte. É o pai que abre o filme ao estilo Touro Indomável e é o filho que, ao fim do filme, se liberta dos limites dessa garra.

Por fim, a obra de Sean Darkin é tão interessante por seus acertos quanto por seus erros. A história que conta é potente em sua dramaticidade, sem ser apelativa. Contudo, o excesso de exposição em um aspecto acaba por perturbar o que foi, em outra medida, mais bem dosado.

É um filme competente que poderia ser ótimo, mas que, dentro de toda a história de filmes que retratam o universo da luta livre, tem a decência de não ser ruim.

Garra de Ferro estreia dia 22 de Março no Brasil e é distribuído pela California FIlmes.

Veja também: California Filmes realiza evento de divulgação do filme Garra de Ferro em São Paulo

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