Sobre como o wrestling me fez pensar sobre afeto

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Quando falei uma vez que tinha vontade de escrever sobre wrestling, mas não sabia muito bem se tinha conhecimento ou repertório para isso, uma amiga disse que eu poderia escrever uma carta aberta declarando meu amor ao Kenny Omega. E pensando que esse, sim, era um tema dentro do wrestling que eu conseguiria desenvolver um texto sobre, comecei a imaginar como seria esse texto, se eu resolvesse escrevê-lo. Mas não, você não está prestes a ler uma carta de amor de uma mulher apaixonada por um wrestler, não hoje. Pensar sobre o que eu escreveria sobre ele me fez lembrar de como eu comecei a prestar atenção no Kenny Omega: foi logo quando eu também comecei a prestar atenção em um certo irlandês que, na época, era campeão do NXT. Eu, que ainda achava que wrestling se resumia a WWE, fui buscar mais sobre a trajetória de Finn Bálor e foi assim que o mundo da NJPW e do Bullet club se abriu para mim. E lembro bem de quando foi que a paixonite bateu forte: no momento em que vi a entrance dele no Wrestle Kingdom 11, com a gear de exterminador do futuro. Mas ok, a declaração de amor vai ficar para outro texto.

Eu sou uma pessoa que tem uma personalidade levemente obsessiva. Isso quer dizer que, sempre que começo a me interessar por algo, eu fico louca – fico consumindo todo e qualquer conteúdo que existe sobre isso na internet e fico praticamente monotemática. Com Omega não foi diferente. Até que, no ano de 2019, um documentário produzido sobre ele, apenas para uma rede de TV canadense, foi lançado. Eu, brasileira, até tentei verificar se haveria um jeito legal de assistir esse documentário. Mas, sem previsão de lançamento até para os Estados Unidos, mexi meus pauzinhos na ilegalidade e tratei de assistir o documentário sobre aquele que se tornou (e é até hoje) o meu wrestler favorito.

O documentário Omega man: a wrestling love story foi lançado em março de 2019.

O documentário Omega man: a wrestling love story foca na gimmick que Omega teve antes do Bullet club com Kota Ibushi e os inesquecíveis Golden lovers. Mais do que isso, o documentário mostra como foi dolorida a separação de ambos depois que Omega fez seu heel turn e assumiu a liderança da stable que anteriormente teve como líderes Prince Devitt e AJ Styles. O Japão leva a kayfabe muito a sério, e a separação dos Golden lovers foi também a separação de Omega e Ibushi na vida real, na época. A história dos dois rende pano para a manga até hoje: eram namorados? Ou apenas amigos muito próximos? Se eram só amigos, por que nunca desmentiram os rumores? Mas se eram namorados, porque não assumiram o relacionamento? Eu também ficava confusa com essa história, mas o documentário me fez entender tudo isso por outro ponto de vista que eu ainda não tinha usado: o de pessoa que também pratica um tipo de luta.

Eu pratico judô há dez anos e essa é uma parte muito importante da minha vida e da minha construção como pessoa. Meu sensei, entre vários discursos que já ouvi ele repetir inúmeras vezes nesses dez anos, diz que dentro do dojô fazemos laços com pessoas que são diferentes dos laços que fazemos fora dele. Você pode ter muitos amigos próximos fora do ambiente de arte marcial, mas com aquela pessoa que você treina, sua, sangra e chora junto, a intimidade é diferente. E foi nisso que o documentário de Kenny Omega me fez pensar. Consegui lembrar de pelo menos duas meninas as quais tive relações afetuosas muito próximas, principalmente por causa do que passamos juntas em cima do tatami. E a questão é: apesar de não esconder o afeto e a relação que construímos, não lembro de uma única vez em que alguém interpretou nossa relação como a de duas namoradas.

Golden lovers, tag team formada por Kota Ibushi e Kenny Omega.

É importante ressaltar: o caso aqui não é se Omega e Ibushi de fato tiveram algum envolvimento romantico, isso pouco importa. É bacana e muito importante que eles mantiveram a postura de não “desmentir” essa suposta relação para que ela servisse como uma representatividade para quem se identificou. No entanto, o questionamento aqui é como interpretamos o afeto masculino – se não for em um contexto de dois homens homossexuais, ele simplesmente não pode existir. 

Por que é tão difícil aceitar que dois homens adultos, independente de suas orientações sexuais, desenvolvam laços afetuosos um com o outro? Praticar uma luta com alguém é praticamente tão íntimo quanto fazer sexo: tem contato físico, cuidado com o corpo do outro, busca por sincronia, troca de fluídos. Tem entrega. E se tudo isso não te faz desenvolver intimidade, laço e afeto, serão poucas coisas no mundo que o farão.

Assistir o documentário que contava mais sobre a história entre Omega e Ibushi me fez pensar que precisamos normalizar o afeto não-sexual masculino urgentemente. Mesmo se ambos são LGBT e sobretudo se são heterossexuais. A verdade é que, no final das contas, a orientação sexual dos dois não importa pra gente. O que importa foi toda a construção da storyline e o quanto isso rendeu de entretenimento para nós, fãs de pró-wrestling. E, não sei para vocês, mas se eu me vejo sentada, escrevendo sobre isso depois de tanto tempo, pra mim rendeu. Ô se rendeu!

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