Olá, pessoas. Depois de mais de um ano hibernando em minha caverna, estou de volta. Foi um tempo necessário para acertar minha cabeça e minha vida, o que fez com que eu deixasse não somente os textos de lado, mas a luta livre como um todo. Mesmo distante, deu para acompanhar superficialmente o que estava acontecendo aqui no WrestleBR e vi que ele sobreviveu muito bem sem mim, assim é a vida, um ciclo perfeito. De certa forma, isso até se encaixa com o ponto principal do que trago para vocês hoje, uma análise sobre a ex-diva Ashley Massaro, de sua ascensão na WWE até seu trágico fim no dia 16 de maio desse ano.
Para ser sincero, eu pretendia voltar um dia a escrever, mas não tenho certeza que seria precisamente agora. Porém, quando soube sobre a morte prematura de Ashley e a cada detalhe novo que surgia sobre o caso, um mais denso que o outro, algo dentro de mim foi despertado. Passou-se mais de um mês dessa notícia e possivelmente você nem mais se lembrava, ou talvez, nem se importou e continuou sua rotina como se nada tivesse acontecido. Enquanto isso, eu estava inquieto, pensativo, precisava expor tudo em forma de palavras. Tinha perdido a prática da escrita, de fato demorei mais do que estava acostumado para conseguir completar todas as ligações que criava na minha mente. O resultado é o texto que lerá a seguir.
Um texto sério, repleto de amargura e melancolia, talvez não seja o que você esteja querendo, caro leitor. Seria fácil para mim também não ter de encarar não somente a morte, mas algumas amostras da repugnância humana. Não ficaria até horas da madrugada escrevendo, levando comigo pensamentos angustiantes até antes de dormir. Seria mais fácil deixar para lá, afinal, eu não ganho nenhum centavo para produzir tudo isso. O maldito problema é que eu me importo. Eu realmente não consigo mascar as pessoas e depois grudar embaixo da cadeira quando não mais me oferecem algo em troca. Não me interesso sobre a quantidade de pessoas que lerão palavra por palavra, pois eu sei que serão pouquíssimas, já superei isso há muito tempo. Entretanto, se eu conseguir alcançar e fazer com que uma única pessoa sinta o mesmo que eu sinto, um reflexivo sentimento de agradecimento pela vida de outro ser humano, teria eu realizado meu trabalho com sucesso. Por você que eu escrevo. E por Ashley Massaro, que fez parte de algum pequeno momento de minha existência. Sendo assim, vamos começar. Boa leitura.
A Ascensão
Durante a década de 2000, as mulheres não tinham tanto destaque por suas habilidades nos ringues e a exposição sobre seus corpos se sobressaia (não que atualmente isso não possa ocorrer de certa forma), vestígios da Attitude Era que ainda surtiam efeito na WWE. Foi assim que o caminho de Ashley Massaro cruzou com a da luta livre, pois mesmo sua família tendo raízes no wrestling amador, ela era uma modelo fotográfica sem a menor experiência com esse universo até então desconhecido. Ela chega à WWE em 2005 através do concurso Raw Divas Search, uma competição para encontrar um novo talento feminino para a empresa. Massaro se torna vencedora, conquistando para si 250.000 dólares e um contrato de um ano.
Mesmo não sendo conhecida como uma excepcional lutadora, Ashley era uma ótima diva. Em meio a “bra and panties matches”, “lingerie pillow fights” e outras estipulações especificas para servir de pretexto pra colocar as mulheres com menos roupa possível se engalfinhando dentro de um ringue, Ashley se conectava com o público através de seu carisma e da verdadeira paixão pelo que fazia, impulsionado por uma música de entrada memorável que complementava todo o estilo único de sua gimmick. A Punk Princess lutava para mostrar seu valor e não ser somente mais uma modelo, mais um corpo, mais um objeto descartável.
Analisando sua carreira como um todo, Massaro não teve grandes êxitos na WWE no tempo relativamente curto que por lá esteve. Participou de algumas feuds na divisão feminina, teve lutas ao lado de Trish Stratus, foi valet da dupla Paul London e Brian Kendrick e o destaque que recebeu após se tornar capa da Playboy de 2007 a fez participar de duas Wrestlemanias, uma delas em um combate pelo cinturão feminino contra Melina. Chegou também a fazer participações especiais fora dos limites da WWE, como em um episódio de Smallville e no reality show Survivor. Ashley nunca chegou a ganhar nenhum título, mas trilhou uma bela carreira para alguém pouco tempo antes totalmente desconhecida no ramo.
Entre combates, lesões e breves afastamentos, Massaro continuava firme e forte alcançando maiores espaços, existia ali um futuro para uma diva tão cativante. Porém, o acaso não foi muito gentil com ela. A necessidade de ficar com sua filha Alexa, que passava por problemas de saúde na época (nunca chegou a revelar maiores detalhes sobre), pesou na vida de Ashley. Não sendo bastante a dificuldade ser mãe solteira, se tornava impraticável conciliar seu tempo com a agenda apertada da WWE, não tendo alternativa do que pedir demissão em julho de 2008. Dessa forma, Massaro coloca um ponto final em sua carreira junto à empresa.
A Queda
A vida pós-WWE de Ashley Massaro parecia, na medida do possível, estável. Em raras ocasiões chegou a retornar aos ringues, os danos corporais causados na WWE a impediram de seguir no cenário independente. Sendo assim, ela focava em seus trabalhos como modelo fotográfica e também colhia os frutos de sua carreira como wrestler, marcando presença em convenções de luta livre ou onde seu nome era lembrado. Basicamente, sobrevivia do passado, prestigiando com total humildade e dignidade todo tipo de evento, não importando o grau de importância e visibilidade. Continuava ativa nas redes sociais e conectada com seus fãs, divulgando seu cotidiano nesses 11 anos fora da empresa e assim demonstrando nada de errado, nada que levasse a revelar algum problema interno. Talvez algo alarmasse nas profundezas de si, mas infelizmente ninguém foi suficiente para impedir que algo ruim viesse a acontecer.
16 de maio de 2019, quinta-feira, 05h23, horário de Nova York. Um chamado de emergência é acionado, Ashley Massaro era conduzida às pressas de sua casa para o hospital. Somente especulações eram passadas para a imprensa e para os fãs, até que pouco tempo depois uma notícia devastadora vinha à tona. Ali mesmo no transporte de emergência, com apenas 39 anos de idade a ex-diva encontrava-se morta, um choque para quem guardava alguma memória de uma lutadora tão enérgica nos ringues quanto ela. Muitos nomes do wrestling prestaram suas homenagens, lamentando uma passagem tão repentina. Alexa Massaro, filha de Ashley hoje com 18 anos, compartilhou uma tocante mensagem de pesar, não aceitando o fato de não poder ter mais sua mãe de volta. A WWE prestou condolências sobre a morte da atleta através de uma nota, postando também algumas de suas fotos e vídeos, além de um breve tributo no último Money in the Bank.
Ashley faleceu faltando 10 dias para seu quadragésimo aniversário. Ela participaria da convenção Starrcast II que ocorreria no dia 23 daquele mês em Las Vegas, e até por isso combinava por mensagens com uma amiga para se encontrar nessa cidade, isso horas antes de sua morte. Planos interrompidos, vida interrompida, o falecimento de Ashley trouxe a tona sua batalha interna contra a depressão. A polícia do condado de Suffolk por sigilo não revelou ao público até o momento a causa exata da morte da ex-WWE, apenas confirma que não foi criminal. Entretanto, tabloides como o TMZ afirmam que supostamente o seu óbito seria acarretado por suicido por enforcamento, o que tornaria essa história completamente mais obscura. A depressão é uma doença sorrateira, silenciosa e degradante. Quem olha a última imagem postada por Massaro no dia anterior à sua morte, ao qual ela mostrava as cartas respondidas de seus fãs (mais de 300, segundo sua amiga Shelly Martinez), não imagina tudo pelo que ela estava passando, só consegue enxergar uma mulher dedicada ao seus punx, como ela chamava seus seguidores, e uma máscara de que está tudo bem.
Eu poderia terminar meu texto nesse exato momento. O que mais poderia ser decadente do que uma ex-wrestler que possivelmente cometeu suicídio com 39 anos de idade? Haveria algo a se contar além de uma tragédia? Sim, infelizmente teria. O passado foi escancarado, fantasmas que certamente perseguiram Ashley por todos esses anos e que pesaram com toda certeza em seu fim. Após sua morte, o advogado da ex-diva (que atesta a morte de sua cliente por enforcamento) publicou um
O que será relatado a seguir seria um caso de estupro ocorrido com Ashley Massaro, o que mesmo sendo importante de ser contado, pode ser difícil de ser lido por diferentes motivos pessoais. Sendo assim, deixo esse alerta e peço para pular o próximo paragrafo caso você, leitor, tenha algum bloqueio sobre o tema.
No ano de 2006, Ashley Massaro ao lado de Maria Kanellis, Ron Simmons e Jimmy Hart participaram de uma turnê pelo Oriente Médio, em apoio as tropas americanas. Numa base dos Estados Unidos instalada no Kuwait, Ashley teria passado mal por conta de cólicas menstruais. Ela queria apenas passar um tempo no veiculo militar que lá estava por conta do ar-condicionado, mas acabou sendo convencida pelos soldados a tomar uma intravenosa, pois estaria tendo desidratação. Mesmo não estando de acordo por completo, ela aceita e passa algum tempo na enfermaria para melhorar através de medicamentos injetados em seu braço. Um militar teria chegado algumas horas depois, não tendo características comuns a dos outros médicos do local, ao lado de uma mulher com roupas do exército. Ele comenta que é seu aniversário e injeta em seu outro braço alguma substância desconhecida, que a faz ficar imóvel. Ashley é levada para outra sala pelos dois, ao qual ela relata que subitamente sua roupa foi tirada e o homem começou a estuprá-la, enquanto a mulher vigiava na porta para que ninguém chegasse. A substância a deixou paralisada ao ponto de não conseguir nem ao menos gritar, porém estava totalmente consciente do começo até o final. Com maiores detalhes ela expõe no depoimento o seu terror e os traumas que lhe foram deixados. Massaro relata que posteriormente Vince McMahon descreve o ocorrido como “uma má experiência” e pede para ela abafar o caso, com medo maior de manchar o relacionamento da WWE com o exército, o que ela acaba aceitando por se sentir sem poder para reverter o que já tinha passado. Esse fato teria acompanhado Ashley por todos esses anos e apontado como o trauma crucial no colapso de seu estado psicológico, que a levara até uma morte prematura.
Pedaços desse depoimento teriam sido vazados ainda em 2016 por alguns sites, mas como podemos ver, não atingiram grande notoriedade até ser postado na integra dias após a morte de Ashley. O processo que ela fazia parte foi indeferido ano passado por um juiz federal, esperando ainda apelação para o próximo dia 8 de julho. Por meio de uma nota, o departamento judicial da WWE afirma que o advogado de Massaro, Konstantine Kyros, utilizou a morte da lutadora para promover uma campanha difamatória, alegando também que a empresa não encobriria nenhum caso de abuso sexual se realmente tivesse acontecido, além de que Ashley teria pedido desculpas em 2018 através de um e-mail por ter feito parte do grupo de acusação. Realmente, não posso confirmar a verdadeira conduta de Kyros, Massaro sofreu por diversas vezes por homens inescrupulosos. O nome da diva não foi apagado dos arquivos do site da WWE, o que eles normalmente fazem quando não querem ter mais ligações com qualquer pessoa. Aceitando como verdade ou não (vale lembrar que se trata de uma acusação, um relato dentro de uma batalha judicial), isso me faz repensar e me perguntar o porquê de eu continuar assistindo WWE, como se tudo que víssemos realmente fosse, de fato, kayfabe.
Redenção?
Após esse tumulto que surgiu após Ashley nos deixar em 16 de maio, vimos que essa história ainda será prolongada. O advogado Konstantine Kyros afirma que seguindo a vontade de Massaro em vida, seu cérebro será doado para estudos científicos relacionados à encefalopatia traumática crônica. Essa doença não é novidade no wrestling profissional, ocasionalmente ela reaparece e a segurança dos lutadores é novamente posta em debate. O caso mais famoso é o de Chris Benoit, ao qual uma autopsia póstuma teria revelado que o seu cérebro estava severamente danificado por anos de concussões e traumas, o que poderia ser revelador para a tragédia acometida em toda a família 12 anos atrás. Também conhecida como “demência pugilística”, a ETC é causada primordialmente por continuas pancadas na cabeça e tem como consequências a deterioração cerebral em diferentes níveis, acarretando lapsos de memória, agressividade, falhas de controle motor, depressão e demência, problemas semelhantes ao mal de Parkinson e Alzheimer. No depoimento atestado por Ashley, ela descrevia perdas de memória de período curto, enxaquecas e depressão, atribuindo tudo ao tratamento recebido na WWE. De forma louvável, ela termina sua missão na Terra ajudando os seus colegas de profissão, procurando dignidade humana em um trabalho que por muitas vezes não se é levado a sério.
A WWE não fechou as portas para Ashley Massaro, mesmo com a situação judicial ao qual ela fez parte. Sendo assim, haveria uma mínima chance da Punk Princess ser canonizada em alguma cerimônia do Hall of Fame. Veja Torrie Wilson por exemplo, contemporânea de Ashley, não tinha tecnicamente muito a oferecer e nunca ganhou um título, mas mesmo assim foi induzida esse ano. Não me admiraria a WWE trazer seu nome para o próximo evento. Pessoalmente, acharia algo totalmente desnecessário e até insultante tendo em vista as histórias não muito esclarecidas ao qual descrevi por todo esse pequeno dossiê, sem contar que o HoF acabou por se tornar um tanto fútil ao longo dos anos. Se a WWE quer fazer algo em nome de Ashley, que seja cuidar da família da atleta, preferencialmente fora dos holofotes midiáticos. Ao encarar sua vida profissional, sinto que a tragédia em sua vida era maior do que em sua morte. Ao menos ela teve um objetivo, algo pelo que lutar: sua filha Alexa Massaro, ou Lexi como é conhecida.
Brian Orlando, um apresentador de uma rádio ao qual Ashley recentemente fazia parte, afirma que ela “sempre falava sobre Alexa” e que “se você falasse com ela, você saberia que ela é uma mãe antes de saber que ela era uma lutadora ou uma capa da Playboy”. Todo o esforço que ela fez, todos os obstáculos que superou, tudo era por Lexi. Um grupo de lutadoras intituladas “The Square Circle Sisters” que trabalharam com Massaro encabeçaram uma campanha no site GoFundMe para arrecadar um fundo educacional para sua filha. Mick Foley também apoiou a causa, se dispondo a ir assistir luta livre na casa de qualquer pessoa nos EUA ou Canadá que doasse 5.000 dólares e na de quem morasse no exterior que doasse 10.000, além de fazer sua doação pessoal. Em menos de um mês e com bastante suor, a meta foi atingida com mais de 100.000 dólares arrecadados. Dessa forma, a diva que acendeu um fogo em nossos corações pode seguir seu caminho, tendo certeza que sua filha não está desamparada e que continuará seu legado. Obrigado, Ashley Massaro. Descanse em paz.