Afinal, somos ou não latino-americanos?

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Os últimos dias foram agitados para mim. Dessa forma, precisei me ausentar deste site e da escrita sobre o esporte, ao menos até hoje. Não deixei de acompanhar as redes sociais, nem de me atualizar sobre os debates acerca do mundo da Luta Livre. No entanto, uma acalorada discussão vez ou outra reaparece na timeline, envolvendo paixões e incertezas do fã brasileiro. E essa discussão envolve, justamente, dois lutadores do País.

Taynara Conti e Adrian Jaoude chegaram à WWE em 2016, e desde então representam o País ao lado de Cezar Bononi na marca de desenvolvimento da empresa, o NXT. Desde as suas estreias, os lutadores utilizam elementos que relembram o Brasil, seja na vestimenta, na bandeira carregada por Taynara ou até mesmo no nome fictício para o grupo: “Eh Nois” – que remete à uma famosa gíria da região sudeste.

Entretanto, Conti e Jaoude passaram por reformulações em suas personagens. O lutador mudou de nome e ganhou mais destaque na filial da WWE, a EVOLVE. Agora, se chamava Arturo Ruas – alusão a um grande nome das artes marciais do Brasil na década de 90, Marco Ruas. Já Taynara não teve alterações no nome, apenas na sua atitude. A brasileira, que foi a primeira lutadora do País a lutar no maior evento da Luta Livre, a WrestleMania, agora se autoproclamava uma “Hot Latina“.

A mudança de atitude levantou debate, principalmente após um vídeo promocional do Twitter da WWE na língua espanhola. Nele, Taynara fala sobre seus objetivos dentro da empresa, e finaliza usando sua nova frase de impacto: “Latinas do it better” – que significa “Latinas fazem melhor” em uma tradução literal. Além disso, seu uniforme de combate, que continha a bandeira do Brasil, se mantém o mesmo, porém sem a bandeira.

Uma brasileira, que chegou à WWE representando o Brasil em torneios, levando a bandeira do país em plena WrestleMania, agora se denomina latina. Quais os motivos para essa mudança? Ela tem fundamento? Somos latinos e não fomos avisados?

Desde quando somos latino-americanos?

Uma breve pesquisa na barra de pesquisas do google me levou ao texto de Thiago Carrapatoso para o Huffpost Brasil. Nele, o pesquisador conta a sua experiência nos Estados Unidos, e seu primeiro impacto em solo yankee: para eles, Thiago não era branco, como sempre se considerou nas terras brasileiras. Na América do Norte, Thiago era latino, devido à suas características físicas e culturais.

O artigo, no entanto, não respondeu minha dúvida. Recorri, então, à minha namorada, que assim como eu é internacionalista. Ela me indicou dois textos certeiros, que conseguiram responder melhor o que estava procurando.

O primeiro, de Michael Gobat, retrata a criação do termo “latino-americano” que é, surpreendentemente, francês. A expressão data do século XIX, quando a França tinha como objetivo expandir sua influência no continente americano, freando a expansão ideológica que os Estados Unidos estava implementando por meio da “Doutrina Monroe”. Os “latino-americanos”, no entanto, não compreendiam todos os país abaixo do estadunidense. Um dos rejeitados era o Brasil.

O motivo para isso era que o País, por ser predominantemente negro, não possuía semelhanças com a elite política, intelectual e branca da “América Latina”. No entanto, o Brasil adotou uma política de aproximação com os países do continente, principalmente para defesa da região amazônica, que poderia estar ameaçada pelo avanço estadunidense. Que ironia. No século XX, essa denominação ganhou ainda mais força, quando os países da “América Latina” se uniram para formar uma coalizão anti-hegemônica e defender os interesses do chamado “Terceiro Mundo” durante a Guerra Fria.

O continente americano, no entanto, foi colonizado majoritariamente por espanhóis. Dessa forma, quase todos os países que formam a chamada “América Latina” falam a língua espanhola. Isso causa um pouco de confusão ao denominar quem é e quem não é latino, principalmente quando subimos para o Norte do continente.

As diferenças entre latino-americanos e hispanicos

Nos Estados Unidos, a denominação latina serve quase como uma demonização. O presidente não gosta de latinos, quer construir um muro para não deixá-los entrar. Construiu campos de concentração para prendê-los. Porém, os latinos a quem Donald Trump – e a maioria dos estadunidenses – se refere são povos da “América Latina” de descendência hispânica.

Olhando pelo prisma brasileiro, isso nos leva a crer que, dessa forma, não somos latinos. Isso me levou ao texto do El País mexicano sobre o tema.

E a resposta encontrada foi: Sim, somos latinos.

Povos denominados latinos são aqueles que possuem linguagem que descendem do latim, língua oficial de povos antigos como o Império Romano. O termo America Latina ficou mais famoso devido ao seu uso político nos últimos séculos. No entanto, outras regiões colonizadas por povos latinos, como Espanha e Portugal, também foram chamadas em algum momento de “Latinas”, como Africa Latina, por exemplo.

Sendo assim, Taynara está certa em se definir como uma “Hot Latina”, né?

Aí que entra o x da questão. Conti está servindo à uma organização de Luta Livre americana. Seu personagem, que antes representava a terra brasilis, hoje usa termos em espanhol para se definir. No entanto, nada tem a ver com o termo latino-americano político dos países do terceiro mundo, ou os latinos descendentes do latim. É o latino americano, hispânico e, muitas vezes, racista. Por isso as frases em espanhol, por isso o apelo sexual do personagem, por isso a mudança.

Mas o Brasil também tem esse apelo, vocês sabem bem. Então, por que foi feita essa pequena mudança de linguagem se o Brasil também é América Latina?

A WWE ainda não confia economicamente no Brasil

O ano de 2019 foi marcado por significativas mudanças para o Brasil e os brasileiros no cenário internacional. A diplomacia mostrou a cara do novo governo, o que não agradou alguns líderes mundiais. Antes um forte representante no campo do desenvolvimento sustentável, hoje flertamos com a vilania. A potência regional que voava em 2009, se banha de retrocesso e caminha a passos largos para se tornar um pária internacional. Talvez você não saiba do que se trata, haja visto que o País nunca chegou perto disso. Não era necessário falar sobre até 2019.

Ser brasileiro no exterior se tornou menos atraente. Qual a vantagem de ter brasileiros à frente de um negócio de entretenimento se não há estabilidade econômica para garantir o retorno no investimento? – faço essa pergunta enquanto vejo você, pela tela do seu aparelho, se perguntar: “Por que ele está falando de política? Esse não é um site de Luta Livre?” Calma, eu vou responder agora.

A WWE, assim como qualquer outra federação de Luta Livre, também é uma empresa. Seu principal objetivo é lucrar, e ela lucra bastante na “América Latina”. Mesmo que o Brasil seja o maior mercado em potencial, ele ainda não adquiriu a confiança necessária da companhia. Os motivos são muitos: trocas de canais televisivos, desconhecimento do esporte entre outras. Mas a instabilidade política é um dos mais relevantes para explicar essa barreira.

O Brasil vive um período de recuperação (haha) econômica, passou por um processo de impedimento da Presidente da República há 3 anos e ainda possui um presidente contestado no sistema internacional. Os investidores externos de fato terão desconfiança na hora de investir. O panorama não é dos melhores, já falamos disso aqui desde que começamos o site. No entanto, nos resta torcer pela recuperação econômica. Caso contrário, as analogias ao Brasil na WWE serão pouquíssimas.

É por isso que a WWE nos desejou um feliz dia da Independência direto do Monumental de Nuñez, na Argentina, que ficamos de fora da turnê da “América Latina” da WWE, e que Taynara terá que fazer melhor como Latina, e não como brasileira.

Os direitos de todas as imagens presentes no texto pertencem à © WWE.

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